Ciclos




Prestamos pouca atenção aos ciclos de vida, só nos damos conta que o tempo vai passando, e que as gerações vão crescendo, no dia que damos de caras com um pirralho que trocamos as fraldas e que agora já está na universidade... Aí pensamos, nossa!!! como o tempo passou...

Cada ano começa e acaba, escoando dias, horas e estações que só incomodam na falta do tempo e a massada de trocar as roupas do armário. De resto, não nos apercebemos que cada estação está configurada, por assim dizer, com os nossos ritmos biológicos, nascer, crescer, frutificar, decair e morrer.

Há uma rua que costumo passar, que vai mostrando esta perspectiva do tempo e das mudanças dos ciclos; até há bem pouco tempo, o chão encheu-se de folhas castanhas e rubras, crocantes e leves ao sabor do vento. Hoje passei por ela outra vez, e vi como que adormecidas, sem folhas e de ninhos vazios, mostrava-me que era o momento de desacelerar. São os ciclos. Em cada um há o seu encanto natural e a sua razão de ser, tanto a chuva que nos incomoda, como o frio cortante, fazem parte da necessidade de que, quando chegue a primavera, haja lugar para novas folhas, novos habitantes dos ninhos, enfim, vida nova.

Na maior parte dos casos, esta época é aquela que fazem-se as proclamadas promessas para o próximo ano, em que que se colocam metas a atingir e um renovar de esperanças mais ou menos razoáveis. Entoam-se cânticos de Natal, empanturram-se de azevias e bolo rei (sem fava por causa da ASAE) e depois prometem que vão emagrecer todos os pneus e chichas acumuladas. É a festa da família que se ama, outros que se suportam, afinal, é Natal, dos amigos secretos, dos jantares de empresa (somos todos um, tipo Rei Leão, mas afinal mandam-nos todos pra Akunamatata), das bebedeiras homéricas, das ressacas e meias e panelas de prendas.

Ninguém agradece nada do que teve durante, nem sequer o facto de estar vivo, de saúde, com quem ama ou pelo simples facto de ter trabalho.

Como vivo noutro ritmo, como a minha filosofia de vida é mais ao lado, para não dizer mesmo marginal ao costumeiro, ando desde o Samhain (Halloween, vulgarmente chamado) a despedir-me deste ano, o que quer dizer que a despedida final deste ano, fora do calendário, fora da data estipulada, começou ontem, quando Yule ainda está para ouvir os agradecimentos pelo facto de estar viva, dos que amo estarem bem e de saúde, que nada demasiado trágico tocou a minha vida e que até não me meti em grandes problemas. Mais ou menos, vá...

E foi uma noite looooooonga, uma noite de muita reflexão, de correr os pontos todos do que foi este caminhar pelas estações de um ano. Uma vigília que consagrei aos melhores momentos e despedi-me dos menos airosos. De qualquer maneira, aproveitei para pedir o que sempre peço, coisas que vão além da malinha de marca ou o descapotável vermelho tifoso, mas sem dúvida nenhuma, sem preço.

Desenganem-se de pensar que andei praí a dançar em pêlo, no meio do mato em ritual hollywoodiano de filme classe C. Ninguém no seu juízo perfeito vai para o meio do campo dançar pelado debaixo duns miseráveis 0º, sujeitos a serem presos por desacato moral. Ou que levei o desgraçado do bichano, que não larga o puff e a lareira, para um ritual para chamar os espíritos e sei lá eu mais o quê. Com este frio todo, nem em casa atrevo-me a dançar com menos do que duas camadas de roupa, dois pares de meias e umas pantufas bem fofas e quentinhas, e mesmo assim, sujeita ser internada pelos filhos que julgariam que a mãe foi vítima de um ataque epiléptico. Nos idos dos anos 80, isolamento nos apartamentos era coisa que não se pensava, e por outro lado, o arquitecto que desenhou a obra, decididamente não sabia o que era bússola...pois no Inverno, não pega uma réstia de sol, mas no Verão... é assar feito castanha na brasa. Adiante...

Hoje, de 21 para 22 é tida como a noite mais longa do ano, a mais escura. Na minha fé... assim que o Sol desapareceu do horizonte, Yule já se foi, não consegue ouvir nem ver nada, adormecido no colo da Grande Mãe e Companheira. Só ira renascer lá pro começo de Fevereiro, até lá, a natureza e nós mesmos, vamos desacelerar, adormecer, para que mais tarde, na época propícia, voltaremos para começar vida nova, um novo caminho. Se para uns é desta que é a data definitiva, para mim é aquela que já acabou... foi-se.

É bem verdade que as directas já me custam um bocadinho, mas compensou pelo facto de que, vendo bem, tenho pouco a lamentar. Se Yule ouviu ou não os meus pedidos, não sei, mas foram feitos de coração e dentro daquilo que acredito que realmente importa na vida.

Aos que me lêem, parem só um bocadinho antes de comerem em duas dentadas esse sonho cheio de calda, reflictam. Agradeçam, acarinhem as coisas boas, as pessoas que ainda tem o prazer de estarem com vocês, despeçam-se das coisas que não foram agradáveis, despeçam-se definitivamente que não vos faça bem. Desapeguem-se de coisas e pessoas que não vos acrescenta nada. Cheguem-se mais perto daquilo que é naturalmente certo, sejam felizes sem prejudicar ninguém, e principalmente, não guardem mágoas e rancores.

Logo logo há uma data de situações e oportunidades a chegar. O tempo agora é de reflexão e de encontrar a calma interior.


Muitas felicidades para todos

Apareçam


Rakel.


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