Procrastinar, esperar, atrasar, adiar, delongar, demorar, postegar; no fundo todas essas palavras tem o mesmo significado; é a tentativa de evitar, tanto tempo quanto possível, que o inevitável aconteça. A questão maior nesse caso será a razão, a necessidade de ter que esperar ou agir para avançar e chegar ao ponto que colocamos como objectivo final, o ponto de chegada por assim dizer. Nesse campo jogam as expectativas, algo que muitas vezes bate mal com a realidade.
É quase certo que colocamos muito altas as expectativas nos nossos investimentos mais caros, e caro não é no preço, é no que nos apaixona ou aquilo que gostamos imenso. Há também o lado do desconhecido, as imagens difusas da caverna de Platão, feitas de sombras e imaginação. Por muito distorcidas nos pareçam essas imagens de dentro da caverna, mais a nossa imaginação trabalha, frutifica e coloca esperanças onde simplesmente algo é por si como sempre foi. Nem maior nem melhor, apenas sendo o que é.
Então, escolho atrasar, procrastinar, postegar, pois acho que isso vai-me levar à algo muito maior e melhor dentro da imaginativa criação do objecto que escolhi. Ou do momento. Sim, o momento certo para sair da caverna, ofuscar-me com a luz da razão e do conhecimento...e ficar muitas vezes aquém da expectativa colocada. Pois a esperança, essa isca na ponta do anzol, serviu apenas para agigantar algo que sempre foi simples e comum e que apenas ganhou forma e tamanho às custas das minhas necessidades, dos meus desejos particulares. Será que o acto de atrasar já satisfaz de certa medida a própria concretização do conhecimento, da experiência? Será que no fundo isso tudo não seja um mecanismo de protecção para evitar a desilusão? Pois enquanto espero, adio e demoro, não só o objecto ansiado se torna cada vez mais ideal, como ao mesmo tempo tememos que se desfaça perante a realidade à luz crua e nua; e não quero que esse sonho se desfaça e que o pedestal onde coloquei esse ideal seja derrubado sem cerimónias. Pois isso significa que toda a espera foi então em vão.
Chegar nesse ponto, em que tudo se resume ao nosso mais puro receio de ser desiludido, de que o anjo afinal é mortal e pecador, que o tempo roubou mais do que a frescura e aquela certa inocência de ir conhecendo aos poucos os altos e baixos, as melhores e as piores faces desse ideal,será quero encarar isso? Os ideais em si tem apenas a força da imaginação, não são cem por cento reais. E se há maior ladrão na vida é o tempo; por isso, quanto mais esperamos, atrasamos e demoramos, mais o tempo vai tirando, mudando e cansando. Não é uma questão de viver em outra dimensão, não é ser um gourmet dos objectivos, é quando o objecto percebe que viver nessa incerteza de que o tempo não nos diz exactamente o quando é a melhor altura, mostra que quando pensamos ter sido alcançado, já pouco ou nada resta.
Os grandes planos são aqueles que também resultam em grandes falhanços, tanto nas expectativas quanto na concretização. O tempo de cada pessoa difere conforme a sua própria visão de ritmo e pontos de alcance. As expectativas e o grande plano de concretização, depois de tanto tempo a saborear o que ainda não aconteceu, imaginando e idealizando chega a ser quase um vício e acaba por satisfazer por completo bastando por si.
Sinceramente, não condeno quem prefere viver no campo das expectativas e do imaginário dentro da caverna. É seguro, é simples e acalenta os sonhos mais inocentes e até infantis. É um mundo perfeito, confortável e que...basta um gesto, um passo, uma palavra para que tudo se realize ou desfasa-se. E essa sensação, a antecipação tecida no tear da imaginação, pode ser inebriante, excitante, embora sempre estacada em atraso, em espera e condenada ao fracasso.
E longa se torna a espera...
Rakel.
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