Abril


Esta é a Primavera que eu sempre conheci; aquela que era um preparativo aos dias quentes e que não passava das botas e casacos aos calções e chinelos em menos de uma semana.

O mundo, esse... estancou.

E nesta Primavera silenciosa, de menos trânsito, menos poluição no ar, ela está a ser aquilo que sempre foi. Amena, chuvosa e florida. Trovejante e serena. Contemplativa.

E mostra-se nas cores e nos perfumes tão viçosa quanto costumava ser. Sem o veneno que limpam as calçadas, os dentes de leão crescem livremente, assim como as espigas e os primeiros botões de rosas. Há já a ver-se aqui e ali os cardos, ainda fechados em si mesmos, o alecrim e o rosmaninho espigadote. O endro a crescer e a se espalhar junto aos oreganos e não é preciso muito para numa descida até ao supermercado condicionado às entradas, encher um saco com ervas aromáticas.

Mas quando o mundo estancou em Março e as dúvidas cresceram em tantos, que ainda hoje pensam que isto tudo é apenas um boato de imprensa, que devemos pensar na economia antes das pessoas, eu estanquei também e ando a apreciar o silêncio.

E se dantes eu já me obrigava a prestar atenção ao que me rodeia, agora tem sido um acto diário, um hábito. E aprecio os trovões, a chuva na sua cadencia sem fífia, na cor limpa do meu horizonte e já exercitada no pouco, acertando no muito pouco. E em comparação  garridas e sempre constantes cores da Primavera florida, tenho vindo a compreender melhor "as cores" das pessoas. O que elas são, o que elas realmente pensam.

E é num mundo estancado que em poucos meses depois do natal e de todo o discurso de solidariedade, que não é importante o consumo, mas sim compartilhar com os demais e menos afortunados, que depois vão ao supermercado e enchem 5 carrinhos de compras, trêmulos e receosos de que, mesmo assim, seja pouco para manter as bocas de casa.

Século XXI e estamos na mesma com os camponeses de forquilha em riste, temendo os astros que riscam o céu e que traziam não só as pragas como a mão divina e castigadora do século XIV. E sem dúvida, os vendilhões de esperanças e visionários do absurdo, irão aproveitar todo e qualquer astro que perambule pelo Universo e passe  de raspão por nós, para venderem presságios e augúrios mil.

Aqui, à Norte do Equador, do outro lado do Atlântico, é-nos dado tempo para pensar, mas pensar à sério nas coisas das nossas vidas. Que a pesar de tudo, esta reclusão imposta, é de facto o maior balanço dos nossos afectos, das nossas necessidades e do pouco valor que são os likes metidos automaticamente e tão vazios.

Podem ler jangadas de pedra ou cegueiras  ensaiadas, que tudo vai continuar na mesma. Desta experiência, não acredito que depois seremos melhores, mas talvez mais cientes de quem somos...


Rakel.







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