Uma coisa é certa, há coisas que dificilmente conseguirei entender. Tanto das coisas simples, aparentemente, como das complicadas. E sem dúvida, aquela que mais incomoda-me é como a humanidade esquece das duras lições deixadas pela história.
Ok, nunca vou conseguir entender o motivo pelo qual leva uma pessoa empenhada na boa saúde e qualidade de vida, que todas as manhãs vai correr (para o bem da saúde) ao longo de ruas e avenidas cheias de trânsito, ali puxando golfadas de de fumo de escape, carregadinho de chumbo, entre outras coisas. Ou a razão que leva os municípios a colocarem aqueles parques com equipamentos de ginástica bem perto de onde há rotundas e mais trânsito... é algo que realmente ultrapassa-me.
Mas aquilo que realmente não percebo e que chego a temer é como se vive hoje, pelo menos neste país à beira do Atlântico.
O apostar que as novas tecnologias possam ser o arranque da economia, que tanto tem sido anunciado, sem que seja feita a reestruturação das aprendizagens e empregos. Não é assim tão difícil de perceber que quanto mais a substituição humana pelas máquinas esteja gradualmente a crescer, que o desemprego ligado a esse factor também esteja ligado.
Uma pesquisa rápida em jornais de negócios pelo mundo todo e de universidades que fazem também estudos deste "fenómeno" social, não seja animador.
Não estamos a ser inteligentes na formação das pessoas; não estamos a ser precavidos no que toca ao factor humano. Para uma empresa que tenha capacidade de conseguir, aos poucos, automatizar-se, vê apenas vantagens.
Não há funcionários a chegarem atrasados, doentes, grávidas com licenças ou baixas e pesados em termos de impostos. Máquinas não fazem greve, não precisam de balneários, nem refeitórios. Trabalham o dia todo se for preciso e com o mínimo de intervenção humana. Por outras palavras, pode ser uma conversão cara, mas paga-se ao fim de poucos anos. E as empresas visam o lucro e eficácia.
No entanto, o mais chocante para mim é a visão de que a vida é uma luta constante ou pior, trabalhamos para que quando chegarmos lá perto dos 70 anos (e sabe-se lá se não esticam ainda mais a idade de reforma) começar a apreciar a vida depois de andar anos e anos a queimar o cérebro, o corpo e alma. Trabalhar 10 horas ou mais por dia, perder horas entre casa e trabalho. Perder o contacto da família já que está drenado de cansaço e sem vontade de mais nada a não ser focar nesse ritmo que auto-impôs de realização profissional: a reforma.
Não há um único estudo, pesquisa ou qualquer outra forma de observação que diga que isso é qualidade de vida. A maior parte dos estudos apontam que mais tempo de trabalho não é sinónimo de produtividade. É justamente o contrário.
Já coloquei aqui alguns links, num post anterior sobre como tem crescido a consciência de que matar-se a trabalhar não é saudável. E agora para reforçar o tema, a Primeira Ministro da Finlândia propõe semana de quatro dias de trabalho com 6 horas por dia. É justo e de bom tamanho.No entanto, aqui no nosso mundinho lusitano, um estudo mostrou que as crianças passam mais 10 horas semanais nos infantários do que o resto das crianças da Europa.
Se por um lado há este descontentamento do desfasamento das famílias, da falência dum bom ambiente familiar, por outro há quem ainda ache que matar-se a trabalhar é o papel dos cabeças de família.
E há conversas que deixam-me verdadeiramente aborrecida, talvez a educação resignada que a vida é uma constante luta e que o sofrimento faz de nós pessoas melhores seja a explicação disto tudo. Aquele mantra tatuado nas consciências, que nós nascemos para o sofrimento e que se o nosso senhor sofreu na cruz, temos o dever de carregar o nosso quinhão também.
Por isso que há este conformismo, esse encolher de ombros e dizer; é assim a vida ou antes pouquichinho do que nada; não há nada a fazer pois a vida é assim.Ou o clássico: o sistema é assim.
Esse me dá no nervo. É como um facto consumado de que o sistema obriga a que aceite-se tudo e mais um par de botas.
Mas... eu não faço parte do sistema? O leitor que está aqui a dar o seu tempo a ler este singelo amontoado de opiniões, também não faz parte do sistema?
E se eu, descontente com o que o sistema me oferece, não posso dizer, ok tudo bem, mas eu não quero jogar esse jogo?
E é aí que bate o ponto. Parece-me que não alinhar com estas prerrogativas de vida, de luta, sofrimento e de auto flagelo, não é acertado e pode até mesmo parecer que não estamos bem. Batendo mal da caixa de pirolitos, ou então na mais apelativa forma de vida actual. estarmos numa depressão que não aceitamos ou reconhecemos. Porque o descontentamento já não é normal e é associado à depressão e às caixinhas de comprimidos para o resto da vida para fazer gestão desse mal incurável. Obrigada, mas não obrigada. E não, não tiro a importância e a validade dos verdadeiros casos de depressão. É um assunto sério. Mas não dopem as mentes só para que elas fiquem mais sossegadas e não levantem ondas...
O facto de ter a audácia de pensar que o actual modo de vida, em modo Rambo na pior de todas as hipóteses, não é o normal e não devo de o aceitar por si, parece que é a maior das subversões. Pensar fora da caixa, sair do lugar de conforto, sei lá, usem o chavão que mais agradar, isso agora é um perigo social.
E cá por estes lados, temos que contentar-nos com poucachinho, ganhar poucachinho, viver aos poucachinhos, por que... lá está, a vida é assim.
Eu até entenderia isso saído da boca de uma pessoa com 80, 90 anos; mas ver que para muitos da minha geração, está presente que se trabalha, não para ter uma boa qualidade de vida, mas sim para ter... se lá chegar, uma reformazita melhorzita, deixa-me de cabeça perdida. A mentalidade conformista e esse fatalismo militante da sardinha para sete pessoas, dito com algum orgulho na miséria, e vejam que estamos aqui, é a medalha de honra da actual mentalidade de muitos da minha geração.
Não é por acaso que um dos meus filhos já deixou o país, tendo melhor qualidade de vida e um salário confortável. Que o outro que ainda anda por cá está a acabar os estudos mas com os olhos postos no lá fora, longe daqui.
O lugar onde ficarão os que se conformam em viver para a reforma aos 70, gastos, cansados, mas com a mentalidade do antes pouco do que nada, do poucachinho subserviente e conformado.
E... enquanto isso, o leitor esquecerá tudo isso, vai à uma empresa de retalho nacional, faz a escolha das suas compras e vai à caixa sem operador... automatizada e rápida, já que tem pressa, já passa das nove da noite e jantar nicles. Filhos com fome e cansados a pedir a atenção que não houve o dia inteiro, coisas para deixar feitas para o dia seguinte e... a única coisa que quer é pagar e ir para casa. No entanto, muita gente fica sem trabalho por que esse pagamento automático que substituiu gente que também tem filhos, que também tem contas... mas é a vida né? Uma batalha constante e de sofrimento purificador.
E eu sou das que se recusam a entrar nessa fila de pagamento sem operador, que gosta de ir ao balcão do banco e ter o factor humano a fazer as minhas transacções bancárias ( mais três anos, mais coisa, menos coisa, os bancos deixarão de ter balcões físicos) que não acha piada nenhuma não ter ninguém a atender nos postos de combustíveis e que não acha certo que um trabalhe por três, mas recebe por um... e poucachinho, que já vais com sorte de ter uma reformazita melhorzita, neste país dos pequenitos que o pouco e esmifrado é melhor que nada.
É a mentalidade mais miserável que já conheci... foda-se!
Rakel.
Faltou o "apareça" haha
ResponderEliminarPerfeito.
Recentemente o 'X' de um diálogo que eu estava tendo era exatamente o dito acima.
(imagine um mercado cheio com poucas atendentes)
"Porquê raios há tantos caixas vazios e poucas atendentes?"
O espaço que se dava era caixa automático. Caraca, num futuro terei que falar com uma máquina. já já.