Manifestantes de Hong Kong tiveram 98% de votos na escolha da capa do ano. Esta deveria ser a capa |
Não há nada tão importante como a palavra escrita. Nela reflecte-se o pensamento humano, abstracto em algo substancialmente mais palpável e que atravessa o tempo. Descreve não só as hipóteses como também algo que acontece aqui e agora. Desde que foi "inventada" há mais de 6 mil anos (embora algumas pedras encontradas na península Ibérica com uma espécie de runas, com mais de 8 mil e 500 anos, sejam consideradas a mais antiga forma de escrita) , fomos capazes de compreender o passado e escrever sobre o futuro.
Dos cronistas do tempo, contadores de histórias e mitos, dos copistas que detalhadamente replicavam cada palavra que iam colocando na língua dominante de cada época, num ápice chegamos ao século XV e com a prensa de Gutenberg. Foi assim possível apressar o tempo em cada palavra pudesse ser multiplicada e distribuída. Aquilo que foi o dever dos pregoeiros (pessoas que apregoavam em local público as notícias mais importantes), passou para aqueles que sabiam e entendiam o alcance da palavra impressa em papel.
Esta introdução chata e cheia de factos históricos não é para o leitor deste blogue ficar a bocejar; é apenas para lembrar o longo caminho percorrido por aqueles que nos deixaram por herança a capacidade de escrever e relatar o que viam ou pensavam. Do pregoeiro ao cronista, chegamos hoje àqueles que fazem do jornalismo profissão. E no entanto, hoje a dúvida sobre o valor da palavra impressa começa a titubear e a dar poucas mostras de credibilidade.
O mais flagrante será contudo a manipulação e os lóbis conseguem fazer, deixando de lado a escolha das pessoas e dando poder à quem este ano decidem fazer propaganda. O caso em questão é da revista Times e da capa da piquena com ares de sabe tudo. É que não é por nada, mas 98% dos votos (no mundo todo) para a capa de fim de ano foi para os manifestantes de Hong Kong, que estão a dar a alma e o sangue para uma mudança realmente democrática. No entanto, a escolha dos editores da revista recaiu sobre um tema que estão a tentar maximizar, não a opinião pública nem a escolha mais votada, mas sim naquela que hoje é apenas... uma moda. Talvez esperassem que houvesse mais gente deslumbrada pela pequena berradora, que mata aulas e que regorgita cada discurso do lóbi enfiado garganta abaixo. E o jornalismo nunca andou tão vendido e desacreditado.
Há uns tempos, coloquei aqui um post sobre o nepotismo na informação; escrevi que na altura, houve vivas e alvissaras à nova directora da RTP, a empresa pública de informação, embora seja a mesma prima do actual primeiro ministro. Não me admira mesmo nada que as conveniências e oportunismos aconteçam na informação por causa dessa moleza da espinha dorsal e falta de ética. O fim do programa Sexta às Nove, que pretendia expor um caso de corrupção, e este acabava por implicar o movimento "bola de neve", acabou por mostrar o quão podre anda o reino jornalístico.
Já nem vou dar aso aos cancionismos idiotas, nem dessa propagação do controle da informação, que senhores, bem lembrem já vem do tempo do senhor engenheiro...
Nesse tempo, uma amiga minha (que se calhar agora que ando meio às avessas com a imprensa já não será tanto) que trabalha numa redacção, me dizia que quando telefonasse para ela...que tivesse cuidado com o que dizia, pois os telefones estavam sob escuta. E eu, como de costume, cagando nisso, continuava a telefonar e a falar do que me vinha na pinha.
Estamos ou não num mundo de livre escolha e opinião? Bem, em teoria sim, na prática há muito que se lhe diga.
É notável, por exemplo, que seja mais fácil para colocar como cabeçalho sobre a extrema-direita e nunca, mas mesmo nunca seja referida a extrema esquerda; sim ela existe e tem lugar no Parlemento. Mas da mesma maneira que há tabus em falar da etnia dos desacatos e assaltos, há esse reveberar da heterofobia e da morte ao pénis. Não se percebe, com é que o desGoverno pretende premiar quem denunciar casos de corrupção... quando isso acontece dentro do próprio desGoverno. E tem aí a RTP para ser um caso exemplar... e já agora, o Rui Pinto, aquele que tem muito em seu poder em ficheiros sobre corrupção, porque está preso?
Se por um lado há quem mantenha a sua linha de conduta e na procura da verdade a ser divulgada, tem-se visto esta promiscuidade do poder na informação, que até uns tempos atrás dizia-se ser um modo de vida das ditaduras. Uns, com a espinha mais dobrável e maleável, e outros com a capacidade de ser aquilo que faz parte dos preceitos de quem divulga informação: a isenção de opinião e apenas a divulgação de factos. E de facto, o que vemos é que, pelo bem da continuidade no posto de trabalho, engole-se muita coisa à base de cafeína e água. Mas. mesmo nos querendo empurrar a toda força uma menina que vai passar de moda, mesmo sendo escolha dos editores, as pessoas continuam, felizmente, a ter os olhos postos nas convulsões sociais e esperam mudança, fora dos parâmetros que delinearam para nós.
E já agora, a fazer do Ventura um alvo de ataque contínuo só estão a dar mais vantagem e ao crescimento da simpatia da causa do seu partido. Mas quem já dá tantos tiros nos pés, mais um, menos um, tantos faz, não é?
Rakel.
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