Menos é Mais








A minha meta de simplificação dentro de casa ainda não chegou no objectivo que coloquei; a loiça que fui deslapidando e deixando no mínimo essencial está lá. O desfazer de coisas que não toco há mais de um ano, também, e esse é um bom ponto de partida. Ter por ter não é uma boa base de vida.

De todas as minhas teorias inspiradas na vivência, nos tapas dos erros e na evidencia do acertos, há algo mais do que ser simples e desapegado do material na história toda. É a questão do meu tempo e do que faço dele.

Até há cinco anos atrás, até ao tempo em que trabalhava numa empresa municipal, achava que o tempo que eu tinha deveria ser investido no trabalho. Seria a garantia, a certeza do meu "engajamento", chamemos assim, o vestir da camisola pelo projecto proposto e do qual eu pensava fazer parte por um longo tempo. A diversidade do trabalho era o que mais me cativava; no entanto, não era incomum trabalhar 10 horas ou mais por dia. Sem fins de semana, feriados ou sem estar em casa nos aniversários dos filhos, que aliás falhei todos. Nunca meti baixa, nunca pedi dispensa por estar doente. Meu record de horas seguidas de trabalho foram 22 horas. No final, a empresa entrou em insolvência e fui parar na rua.

Entre o tempo que fiquei remoendo o sucedido e procurar um novo meio de sobrevivência, erradamente não parei para pensar um bocado em tudo isso. Fiquei focada na minha auto-comiseração, naquele momento Calimero em que nos sentimos injustiçados e com o mundo inteiro contra nós. Perdi esse tempo precioso com algo que não merecia a minha atenção. Não foi muito, mas foi desnecessário.

E foi justamente depois de ter-me dado conta desse erro que comecei a pensar naquilo que realmente importa: eu, moi meme.

Por muito egoísta que possa parecer, por muito incongruente que soe, quando ninguém presta o devido valor ao meu trabalho e empenho, quando tudo e todos podem ser substituídos, aquilo que eu devo fazer então é ser cruelmente egoísta. O "que se foda" entrou directamente no vocabulário e na forma de vida, e pensei que deveria passar essa minha "estranha forma de vida" (de mãozinhas no ar abanando e dizendo, obrigada, obrigada) aos meus filhos: simplifiquem a vida, não trabalhem feito animais de carga por um salário mínimo e nem se bestifiquem por uma nota de quinhentos no final do mês e as horas que fazem a mais, estocadas numa "bolsa de horas" que nunca chegamos a tocar.

Saiam, viagem, conheçam outras coisas outros lugares. Escolham as coisas não por desespero de causa; enxerguem com olhos de ver aquilo que realmente é importante na vida. Não se matem por um carro ou uma casa que, para o banco está sempre desvalorizada, mas em alta para as finanças. Vejam o mundo e não fiquem atascados ao rame-rame de dias seguidos matando-se de trabalhar, furando semanas de só um dia de descanso e que o dinheiro não compensa tamanho desgaste.

O tempo é algo que venho aqui vezes sem conta dizer que é precioso. Estou-me nas tintas se pensam que tudo isto é muito bonito, mas uma pessoa precisa pagar a prestação da casa, do carro e mais os estudos dos filhos e as actividades extra-curriculares  deles. Sim, por que desde cedo é um entuchar da agenda duma criança de fazer coisas e maisn coisas "para ter mais competências" futuras, que dá pena.

No entanto, embora possa parecer arrogante da minha parte afirmar e até proclamar como certo que não é trabalhando demais que se atinge a felicidade e uma vida estável, é isso o que eu penso. Mas se eu, uma anónima escrivinhadora de coisas num blog entre milhões deles, não tenho tido razão durante estes anos todos que venho discorrendo e publicado sobre isso, tudo bem. No problem.

Com um filho já a viver fora do país, com o outro a acabar os estudos e a focar o seu destino também fora, ganhando mais e com mais tempo para viver, felizmente, aprenderam com os meus erros e daquilo que venho falando com eles, não acreditem em mim.

Acreditem naqueles que agora começam a afirmar as mesmas coisas que venho dizendo ano após ano. Que embora tenha sido tarde para mim reconhecer o facto insofismável do nosso curto tempo de vida em cada vida e do disparate que é não ter tempo para estar com os filhos e com aqueles de quem gostamos, ficam aqui em vermelho os links de todos os que, mais abastados de nome e de mais alcance do que eu, proclamam agora, neste tempos contados em nano-segundos, a cagada que andamos a fazer com as nossas vidas.

Trabalhar como animais de carga, sem descanso, para ter coisas que não podemos usufruir por que não temos tempo. É das maiores idiocracias deste mundo. Finalmente, reconhecido agora o esgotamento, ou burnout para os mais requintados, como doença vinda destes tempos exigentes e esgotantes, dessa sobrecarga imensa deitada nos ombros de cada um como em jeito de mérito por "eficiência", dá que pensar....vale isso tudo?

Estou na eminência de uma proposta no meu trabalho que, embora pareça ser lucrativo, não será de maneira nenhuma suficiente para comprar aquilo que venho a cada dia a apreciar: o meu tempo.  Cada dia gosto mais da minha caixa do nada....
O "não" terapêutico que venho usando em doses conscientes, tem sido de uma grande ajuda na minha qualidade de vida que, embora não seja abonada de luxos, é riquíssima no que toca ao meu necessário. E recusar algumas coisas aparentemente boas, chegada à esta idade em que vou vendo o tempo voando, é preferível. Torna-se evidente que tenho que pensar mais em mim e no que realmente importa.

E como cada um, acho eu, tem o seu próprio nível de sucesso, o meu passa mais por fazer mais o que gosto e não estar preocupada em alcançar objectivos que alguém determinou como aceitáveis.
Na minha realidade inquestionável de que amanhã posso nem sequer acordar, é determinante para mim saber usar o meu tempo da melhor maneira. Também não sei, se daqui uns tempos, já que tudo pode acontecer,  já que não tenho problema nenhum em mudanças, que eu agarre numa trouxa e nos gatos e vá também parar em algum outro ponto do mapa terrestre. Ver o que ainda não vi. Ter esse tempo para ver.

E o seu tempo? Como vai? Vai começar a descansar aos 60 e tais, quando é nessa altura que começa a tomar conta dos netos, pois a geração seguinte à vossa não tem tempo para tomar conta deles?


Rakel.




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