O Silêncio





Parece que tem sido uma enorme coincidência achar, como cogumelos depois da chuva, textos e reportagens a falarem daquilo que andamos a pensar. Uma pessoa anda metida na sua vida, contornando as rebordosas, acordando para certas coisas que são realmente importantes, dando-se conta que as ambições e os objectivos mudam e procurando, finalmente aquele ponto de conforto pessoal. E quando começamos a pensar nisso tudo, a traçar outros caminhos e sentido a necessidade de fazer outras coisas que nos agradam, parece que de uma hora para outra aparecem justificativas para isso.

É uma reportagem, um documentário, é mais uma estatística que sai, e lá estamos nós, perplexos a sentir que o Universo conjura para corroborar as nossas pretensões.  Coincidência? Aviso sublimar do Universo? Ou apenas a nossa atenção ficou apurada nesse sentido?

Universo e a sua influência no nosso quotidiano...

Aviso: vou queimar alguns arcos-íris e degolar alguns unicórnios do vosso imaginativo e cor de rosa mundo ideal.

Essa cena de que "o Universo dá-te em justa medida aquilo que produzes" ou melhor ainda, "o Universo fez para ti alguém que há-de encontrar no tempo certo"... Nháááá´... nop!

Quanto ao primeiro tópico, assumo que até há uns 4 anos atrás eu acreditava piamente nisso; acreditava que a honestidade, o trabalho árduo e fazer o correcto resultava que a vida, o Universo...whatever, daria com toda a certeza a retribuição. Quanto ao segundo, confesso que acho que seja mais um consolo pensar isso do que a concretização real, no fim das contas, não engoli essa pílula.

Mas...

Há um dia que cai a ficha e paramos um bocado para pensar: vejo-me neste pequeno sistema onde estamos, na borda da beiça da Via Láctea. Enquanto isso, enquanto eu escovo os dentes, você come essa sanduíche de fiambre e queijo, o Universo, segundo as sondas espaciais, continua expandindo, criando novos mundos, estrelas, com buracos negros comendo tudo quanto vêem e podem pegar, crescendo pra cima, baixo e dos lados... e nós aqui, no cu do Universo, pensando que enquanto essa obra toda se faz, há uma força nesse Universo em expansão que pára e pensa: "ahhhhh, ele lá em Regueifas de Cima, que já trabalhou muito, foi bom rapaz, agora merece uma ajudinha nossa"

É no mínimo idiota pensar assim. Mas é de um consolo enorme pensar que haja nessa força do Universo, alguém que reconhece o nosso esforço e dedicação numa vida correcta e vivida com ética.

As "fichas" caem por vários motivos na nossa vida; uns pensam mais nas suas vidas em momentos de doença grave (e descobrem finalmente, que a vida é mais do que acumular coisas) outros será no verdadeiro ressabiamento com as pessoas ou trabalho ou no fim dos cinco estágios da desgraceira.

Particularmente, o meu deu-se pela necessidade de começar a pausar alguns aspectos, na marra , e por perceber que estava no massacre auto imposto.

Abracei com vontade o estar mais fora do barulho; barulho no seu real sentido e do figurado. Tenho apreciado muito o desligar do ruído de fundo. Principalmente, pelo facto incontestável que conseguimos parar e pensar; e as coisas começam a fazer mais nexo. Há um par  de anos atrás, numa destas noites claras e que aqui no burgo proporcionam a ver as estrelas, lembrei de que muitas delas já se finaram, destruídas pelo seu fim próprio, mas com a sua luz ainda viajando por este imeeenso Universo. Tudo muda, tudo está em movimento e construção, nascendo e morrendo como faz parte desse movimento natural ao qual estamos ligados. A nossa única ligação ao Universo é essa, a da nossa provisória pertença ao mundo material. De resto... nop, nicles, chongas nenhumas.

O que realmente importa então?

Bom, parece que parar e pensar nas coisas deu algum resultado; será importante matar-se a trabalhar? será importante destacar-se pelo sucesso num mundo de fácil substituição? Ser boa pessoa, má pessoa? Viver numa comunidade pequena e vivendo do que a terra dá ou ser um empreendedor, entrando com a maior agressividade para ter um lugar ao sol? Compensa a vida feita de adiamentos em prol do salário miserável, aporrinhações e o desmerecimento? Ficar sentado a espera que o Universo retribua o nosso afinco ? Ou reverberando e amargando uma vida que não gosta, que não acrescenta, apenas e tão somente por um sentido de dever distorcido?

Ou será simplesmente viver a vida que mais nos agrada, paz na alma e sossego? Não será essa, a única missão que temos enquanto vivos, a de encontrar a nossa felicidade?

E foi no silêncio da noite morna e estrelada que, neste planetinha pendurado na borda dumas das menores galáxias, percebi o quanto nos atafulham a cabeça com conceitos enternecedores no entanto fictícios, de que o Universo trabalha ao nosso favor. Nesse silêncio de noite amena, em que voltei ao passado e fingi que a Lua me seguia, finalmente entendi. Calei, pensei e aceitei.

O Universo criando mundos e galáxias e eu criando o meu mundo pessoal, sem dar ponta de corno ao que pensam, acham ou acreditam.

Tenho um apelo cada vez maior pelo campo, pela auto realização de uma vida mais simples e será talvez esse o meu objectivo maior. Ter mais noites sossegadas a ver o céu, este pedacito que nos calhou ver; sem pressões, sem necessidade de aprovações e sem precisar afivelar sorriso de circunstâncias e  o "tudo bem" de praxe. E tenho reparado que vem crescendo este apelo por um modo de vida mais lento, menos consumista e mais simples. Em diferentes países pequenas comunidades que vivem ao estilo de há 200 anos atrás: o que planta, o que faz sapatos, o que faz roupas, o padeiro e todos vivendo de trocas.

Não são uns borra botas que estão a se juntar: ex  empresários, CEOs, de profissões liberais e que simplesmente estavam infelizes, fartos de uma vida sem sentido, duma cidade cheia de gente que não se conhece e só se fala por sms. Pararam, olharam para o que tinham e sentiam-se vazios. Dirá o leitor: "oh pobres meninos ricos, deu-lhes para a auto-comiseração."

Não... apenas acordaram e perceberam.

O mundo correu tanto que cansou e já precisa de andar. Já chega, não é?



Rakel.

 

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