Dr. Ernesto



Desculpe incomodá-lo com as minhas picuinhas, mas já que antes também arranjei-me a conversar com outros ilustres aqui no meu cafofo, recorro à si para trocar algumas ideias. O mundo é um paradoxo de fascinação e completa idiotice, e cada qual faz uso do que mais lhe agrada. O senhor pode dar-me alguns minutos de atenção para entender o meu raciocínio?

É verdade que ando um bocado arredia destas coisas da Internet, que ando semanas atrasada quanto às notícias que circulam pelo mundo, e por isso Dr. Ernesto, espero que consiga, tal como eu, ver o lado caricato das coisas, que leve pelo lado do humor e que até releve alguma ignomia.

Então, dando seguimento e indo ao que interessa, li que o Sr. Jay-Z, marido da cantora tanajura, diz-se tão complexo em forma humana de pensador...como o Sr. Dr. Ernesto.

A bem dizer, eu fiquei a olhar para aquilo que tinha acabado de ler e dei-me conta que reli mais duas vezes: lá estava o tipo, a posar com uma t-shirt com a sua cara, com umas quantas correntes de ouro penduradas no pescoço e com essa frase retumbante: sou complexo como o Dr. Ernesto.

Eu sei que por aquelas latitudes ler e coisas assim não são muito exercitadas; nem os tempos que correm são pacientes para que esperem que uma pessoa procure saber, ler, entender e depois formular opinião. Pegam apenas na informação pré mastigada e engolem sem medo. E aí bate o buzilis da questão.

Provavelmente esse senhor, marido da cantora tanajura, tenha lido o resumo na Wiki e ficou-se por aí. Ali o Dr. Ernesto aparece como um homem culto, revolucionário e leitor ávido e eclético; para uns um revolucionário que abandonou a comodidade e meteu-se de corpo aberto à causa revolucionária. para outros um terrorista. O típico herói romântico eternizado por gerações e modelos políticos, ditos democráticos e justos. O problema é que, embora possa vir a ofender indirectamente alguém que leia esta nossa conversa, o senhor não só era racista como homofóbico. Melhor dizendo, o senhor detestava afro-descendemtes e gays. Lembro inclusive de uma frase sua que diz mais ou menos que, "O negro é preguiçoso e indolente; quando tem algum dinheiro, gasta em futilidades e não se lavam com frequência".  Nos seus livros, para quem se deu trabalho de ler, faz clara oposição ao modelo de vida alternativo sexual que hoje polula na nossa dita sociedade igualitária; o senhor via como modelo a sociedade europeia desse tempo.

No entanto, ainda hoje e passadas tantas décadas, o senhor ainda serve de modelo para estes jovens, engajados socialmente em causas revolucionárias. Só que, aquilo que eles defendem é justamente o contrário daquilo que o senhor acreditava e escrevia nos seus livros. Essa miudagem, nem sequer leram os seus trabalhos, só conhecem mesmo esse lado romântico e heróico do homem que larga tudo pela "causa". Pior que isso, Dr. Ernesto, é que nem sequer estão abertos aos diálogo; apenas impõem a sua visão do mundo.
Não há igualdade com imposição ou tolerância. Ponto. Nem respeito sequer.

Imagino que todos estes partidos de agora, que ainda hoje tenham em si um modelo de luta, não imaginam como os seus eméritos ossos rebolam na campa. Imagino que o senhor deva estar completamente passado da marmita ao ver como, pela necessidade política e do poder, pervertem as suas acções e pensamentos. Mas deixe estar que há mais como o senhor que vê-se usado como aríete, aproveitando a sua condição de morto e sem defesa. Talvez queira trocar experiências com Emmanuel, mais conhecido por Jesus, que é outro usado a torto e a direito como aríete social.

Sabe, Dr. Ernesto, eu ainda sou da geração que aprendeu a gostar de livros, de ler e comparar leituras e opiniões. Mesmo com a censura política ditatorial na qual vivi, mesmo correndo risco dos ocasionais rótulos adquiridos só por levar na mão algum livro menos aceite, mesmo assim, éramos uma geração que lia e pensava.

Releve, Dr Ernesto; esta geração apenas lê aquilo que seja de rápida digestão e já várias vezes editado para a conveniência do momento. Tem um dentição fraquita de tanta papa mole e de fácil digestão. É uma geração que distancia-se mais dos que tinham dentes para defender-se e para roerem melhor os pensamentos complexos.

E fica esse senhor, o marido da cantora tanajura, todo orgulhoso de si mesmo, por achar-se imagem cuspida e escarrada do senhor. E se isso não é totalmente absurdo, será no mínimo digno de riso... de pena pela falta de inteligência.

E este senhor, veja bem, é um adulto modelo para muitos jovens lá no país dele...o que explica muita coisa, certo?


Fique bem Dr. Ernesto Guevara.


Rakel



Para quem deste lado do Atlântico não sabe o que é uma tanajura:

Tanajura é uma formiga de bunda grande  :)



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