Achei interessante perceber que não sou só eu a fazer determinadas perguntas e querer perceber melhor como pode-se viver de maneiras alternativas. Tenho vindo a ver que, aos poucos, as pessoas estão dando meia volta e a recuperar antigos costumes.
Talvez, digo eu, a crise tenha servido para muita gente começar a olhar para os gastos diários e a tomar outras providências. Admito que, de uns anos para cá, tenho vindo a recuperar algumas coisas do tempo da vovó. Dos chás para as maleitas, das compotas e sabão, essências de baunilha e menta, e agora o pão como experiência maior no meu "laboratório".
Seis mil anos de história desse alimento base da humanidade; seis mil anos em que a sua falta foi mais uma acha à fogueira nas crises sociais. "dê-lhes pão e circo!" dizia Caio Graco 121 a.C; mais tarde, Maria Antonieta perdeu a cabeça pouco depois da graçola "se lhes falta pão, dê-lhes bolos!". Fosse qual fosse a classe social, ter pão, pelo menos, era sinal que a fome não seria problema.
Isso então me fez pensar em algumas coisas...ok, os romanos faziam pão, mas não tinham o fermento como nós, ao alcance da mão, em qualquer casa de comércio. Então, como se fazia pão nesse caso? Como faziam o fermento? Que tipo de sabor teria então o pão? Foi a partir destas perguntas que comecei algumas pesquisas e que me deram a perceber, que há um voltar aos antigos hábitos e modos de vida. Muita informação aparece mostrando estabelecimentos que só fazem pão rústico, no real sentido da palavra: fermento feito por eles e com farinhas vivas (acabadas de moer) e que a procura dos consumidores tem vindo a aumentar. Da mesma maneira que o pão, como outros modos de viver tem vindo a ter incremento. O desperdício alimentar é um dos grandes problemas actuais, principalmente, nos meios mais cosmopolitas.
Fresco recuperado em uma Domus em Pompeia |
Resgatado do passado, o actual pão romano |
Surgindo movimentos como a Fruta Feia, que vende a preços mais simpáticos, cabazes de frutas e legumes que não passam pelo concurso da "Miss Fruta ou Miss Legume 2018" mas que garante a mesma qualidade e baixando o desperdício. Não tenho este modelo aqui no burgo onde vivo, mas tenho o mercado semanal, que depois de comparar preço/qualidade e sem dúvida, o simpático atendimento, fica furos acima de qualquer grande superfície que fala da frescura que vende. Noto que reverteu aquele suplício, de sobrar muito mês ao meu salário, com esta táctica. Muitas vezes, os produtos estão a metade do preço, valendo assim o esforço de levantar-me cedo e ir às hortaliças. E não é só a avozinha que vai ao mercado pela fresca; é ver malta nova a escolher as batatas e a levar os queijinhos caseiros e a fruta da época.
Da mesma forma, estão a resgatar do esquecimento a máquina de escrever, é verdade, e a de costura, mesmo que aquela antiga publicação que começava por B e tinha moldes, venha agora em formato digital. Já se investe em trocar fechos de calças, de reformar roupa ou criar de raiz a nova fatiota.
Ao mesmo tempo que tentamos combater o desperdício alimentar, há uma maior consciência das embalagens e na redução dos plásticos. Talvez por isso mesmo, os saquinhos de pano para o pão e as mercearias a granel estejam de volta. No caso, mesmo no mercado semanal encontro o feijão, o grão a granel, embora haja aqui no burgo, duas lojas de produtos a granel. Até o investimento numa máquina de massas valeu a pena; fazer em casa todo o processo de secagem e guardar, torna-se num passatempo fixe para fazer em família. Dá um certo sentido de realização e independência, ou até, de exclusividade. Juntar às massas espinafres, tomate ou cenoura, além de dar uma nova cor, dá também um acréscimo ao paladar e nutrientes. E quem precisa de ginásio...quando ficar a tender massa, puxa pelo cabedal, hein?
Ok, é verdade que isso dá trabalho e tudo e tudo; que já não dá para passar a tarde toda atracada numa esplanada a ver a fauna e flora e a passar o tempo no dolce far niente, nem a tirar milhentas selfies. Mas até isso enjoa quando começa a ser uma rotina e quando não se faz mais que isso.
Tarda nada, e com este sol quente como o caraças, a fazer surgir os marmelos amarelinhos e desprezados, que eu, gentilmente irei colher e fazer a compota caseira. As caminhadas tem sido muito produtivas; já localizei onde há cardo leiteiro (para os queijos e iogurtes) e umas giestas mesmo ao jeito de virar vassoura.
Chega uma altura, que uma pessoa olha em volta, vê a parga de cacarecos que acumula em casa, pensando assim ter mais conforto, mas sentido-se atulhada e endividada. O facto de ter recuperado alguns antigos hábitos, deu-me aperceber que as pessoas dantes não viviam pior por falta de fruta descascada, cortada e deitadas em bandejas de plástico, nem pela salada cortada, pré-lavada (dizem eles) em saquinhos plásticos. A nossa dependência da electricidade é enorme e praticamente o mundo pára quando por qualquer motivo não há luz.
Para falar a verdade, o meu empenho não está em tentar salvar o mundo, nem nada por aí além; a minha meta é ter um modo de vida menos consumista, menos atulhada de tralha e menos virada no ter coisas, mas mais no sentido de realização e dessa independência que tanto estimo. E ter paciência... é das coisas que vamos perdendo com toda a rapidez que nos mostram ser a ideal para os actuais modo de vida. E saber lidar com as frustrações e recomeçar. Poderá ser um exemplo um pouco chungoso, mas, só para terem uma ideia, fazer um fermento de raiz são precisos, no mínimo, uns 8 dias de paciência e atenção diária. É verdade que basta uma inversão de temperatura para lixar tudo, mas posso garantir que vale o esforço.
Toda essa paciência e dedicação dão resultados fantásticos em termos de cor, sabor e conservação do pão. E saber a lidar com as frustrações (as coisas nunca correm bem na primeira tentativa) foi o que aprendi a desenvolver novamente depois de ficar um ano sem televisão. Há mais tempo, há mais calma, não me atulham a cabeça com a novidades que vão facilitar o meu dia. Nem pelos lerpados mentais que vem mandar bitaites de como estão a trabalhar pelo país... e a meter no bolso tudo quanto podem. Acaba-se por aprender a valorizar melhor o tempo e no que decido perder o meu tempo; e isso vale para tudo.
Entre as minha actuais opções, das coisas que são realmente necessárias, a televisão não é das que mais faz falta, nem os 200 canais a cabo. Faz-me falta para jogar na Playstation, mas ressuscitamos os jogos de tabuleiro, os baralhos e cresceu o tempo para ler e ouvir música. O reaproveitamento dos frascos, reconversões de objectos, mudar completamente uma peça de roupa ou criar algo novo a partir de novelos de linha ou lã e agulhas é algo que não só é terapêutico (comprovado cientificamente, para os que gostam dessa chancela de verdade) como promove a redução de lixo e desperdício.
Uma coisa é certa, deste mundo a gente não leva nada connosco a não ser as experiências de vida; a escravidão de matar-se para pagar contas...não vejo como uma boa experiência a levar.
Rakel.
Comentários
Enviar um comentário
Estamos ouvindo