Hã?



Começo a sentir-me assim um pouco para o jurássica quando começo a dizer aquela frase tão característica dos nossos avozinhos: "No meu tempo". Mas há realmente situações que escapam ao meu entendimento.

Tendo em conta a diferença das dinâmicas familiares (onde antes, o chinelo era sem dúvida o método áudio-visual mais eficaz na educação e o "não" peremptório e indiscutível tinham força) de ontem e hoje, e vendo como as coisas acontecem actualmente entre miúdos e jovens adultos, uma pessoa não consegue despegar das comparações inevitáveis.

Vamos lá então pespegar o "No meu tempo"...


...o tipo que se armava em valente depois de meia dúzia de bejecas e ia picar os miolos do porteiro duma discoteca, levava um par de estalos na tromba e não havia cá jornalista de meia pataca de pasquim a fazer reportagem e mais um par de botas. Comia e calava e depois ia cozer a bezana noutras paragens. E não havia cá miúdas de 13 anos a telefonar aos pais às 4 da madrugada para ir busca-las; nesse tempo e com essa idade a rédea era curta.

Nesse tempo, o jornalismo era feito na rua, não com a peida assentada na redação a traduzir as notícias dos jornais estrangeiros; tinham a Lusa e a Routers como fonte de informação credível  internacional. Nessa época, haviam ainda os redactores e revisores de texto, que evitavam as cavalices que muitas vezes vemos agora nos jornais digitais. Não havia cá dessa mama que é agora do caro leitor ou telespectador a ter os seus 30 segundos de fama a "doar", em troca do nome a aparecer na TV, de fotografias e filmes de acontecimentos, jogando no desemprego os foto-jornalistas.

Passei parte da minha adolescência na capital do Ribatejo, e os desafios não eram comer pastilhas de máquina de lavar, nem atulhar a boca com canela em pó e outras cretinices. Funcionava tudo na base das apostas. Meu primo aceitou um desafio/aposta por cem patacos, de vir da casa dele (perto da Igreja do Milagre) até ao Liceu, é vero, com o sutiã da mãe, vestido por cima da t-shirt. Aquela fraca figura de trinca espinhas, lá ia com aquele sutiã de bojo cor da pele e com meia cinta acoplada, a nadar naquele corpo franzino, na boa, a atravessar o Largo do Seminário, como se nada fosse.

No meu tempo um bullie era raro e quando surgia algum armado em esperto era uma acção colectiva a tratar no recreio. Aliás, os professores em vez de estarem a dar a língua uns com os outros nos intervalos a falarem das viagens de dos trapos, estavam presentes nos recreios olhando e velando pelas crianças das quais eram responsáveis. A bem dizer, apesar de ter sido criada numa ditadura militar, os miúdos na escola e naquele tempo, eram bem acompanhados. Além da professora e dos contínuos (agora auxiliares de acção educativa) tinham uma estagiária do magistério por sala a dar apoio. E as salas eram com 30 e tal cachopos. Aqui por estes lados e também no tempo da ditadura salazarista, a minha avó era professora primária, e segundo sei, ela mantinha um registo dos alunos em sala e fora de sala, já que fazia parte dos seus deveres tomar conta dos alunos em recreio: quem trazia lanche, quem se portava mal no recreio, quem era avesso a brincar e tal e couves.

Agora, ou querem os miúdos dopatos para não darem trabalho numa sala com menos de vintena deles ou então  criam aquelas turmas de "indesejados" classificadas de turma F ou J e depois, ainda por cima, fazem lengas lengas de exclusões. Também fazem questão de dizer que se querem ter boas notas é arranjar explicador ou entrar numa academia de estudo. Mas aquelas almas estão ali a fazer o quê?? Não ganham para ensinar, explicar quantas vezes são as necessárias???

Hoje o "não" traumatiza, não se corrige testes com caneta vermelha pois a criança pode sentir-se excluída; passam-nos de ano mesmo sem aproveitamento escolar, mesmo que isso seja um desmerecimento para quem queima a pestana nos livros e dá o seu melhor, mas pelo menos o jovem passa de ano e não se sente traumatizado. Minha mãe bastava arregalar aqueles olhos para eu começar a pensar o que raios teria eu feito de tão errado ou que já estava tramada com F grande.

Mas realmente, pergunto-me ao que leva um jovem que até tem tanta informação ao dispor a deixar-se desafiar e a colocar em risco a vida ao engolir em directo pastilhas de lavar a roupa. Que necessidade tem desse tipo de desafios, quando na verdade poderiam aplicar toda esse energia e empenho, por exemplo, em trabalho voluntário ou em coisas bem mais interessantes. Olha, aproveitem que agora a União Europeia vai facultar aos jovens de 18 anos passes de Iterrail gratuitos. Peguem nessas mochilas, nesse passe (tomara eu ter 18 anos agora) gratuitos, e vão conhecer outras realidades e outras culturas, trabalhem e viagem ao mesmo tempo!!! Saiam do quarto e dessa tentativa de mostrar que são uns "gandes" valentes e mascar detergente de roupa.


...anda tudo chanfrado da corneta...


Rakel.

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