Fezes




Na nossa língua tão cheia de criatividade como sabemos e conhecemos, temos este termo regionalista, fezes, lá os lados do Alentejo, que significa preocupações, ralações (noutras latitudes esta palavra ganha outros significados), mas no geral, coisas que nos preenchem com chatices.

E na minha modesta opinião, há um certo vender preocupações com fins de distrair de assuntos muito mais importantes do que propriamente essas fezes que andam, e desculpem ou não a expressão, o andar de boca em boca em jeito de assunto.

Foi o decote do vestido da Jennifer Lawrence, onde muitas Tia Alzira começaram por dizer, que coitada da moça, assim toda destapada, merecendo um casaquinho de malha pelos ombros ou uma echarpe ao pescoço (a "piquena" ainda apanha uma pneumonia, dizem as tias Alzira da vida), já que nenhum cavalheiro ao lado dela se propôs a emprestar um casaco. A actriz em questão veio ainda pôr mais polémica no assunto quando disse que não ia tapar um maravilhoso vestido de estilista com casacos, só por causa da visão obtusa (e talvez algum complexo de corpo que muitos tem e não suportam ver os demais a sentirem-se bem na própria pele) de algumas pessoas. Mas andou praí muitas bocas, muitas ideia cretinas de pseudo-feministas e mais um par de botas. No entanto este gasto de energia com assuntos sem pés nem cabeça poderia ter sido canalizado para os sem abrigo a precisar de apoio neste Inverno severo. E pergunto-me onde cabe aquele conceito: "meu corpo, minha escolha", conceito esse que faz de nós donos do nosso corpo e das nossas escolhas. É um mais ou menos então, não é?

Cá entre nós, temos esse "grande problema" que é a música do Festival da Canção apontada como plágio e que fez um concorrente sair da prova. Debates e perguntas, se é ou não é, mais esse fazer ondas, que não são a Big Mama da Nazaré, movendo a opinião pública na sua "isenta" opinião, vendendo jornais e revistas que vão esgotar o assunto até não podermos mais ouvir, desviando as atenções do iminente fecho de 60 lojas dos CTT (já não falamos mais em postos dos Correios, agora são lojas), dessa escandalosamente falsa estatística que aponta  uma baixa record de desempregados (quando arrancaram centenas de "cursos" do IEFP, transformando o desempregado em situação de "ocupado") e do Tejo estar a ser assassinado aos bocados e com computadores que são roubados, assim por acaso.

Isto, sem começar ainda esse desenrolar do que vai ser o casamento do Príncipe Harry; aí então...senhores, o que será de nós...?

Mas vamos começar a olhar de maneira mais aguda ao que se passa à nossa volta: a França pondera a volta do serviço militar obrigatório, ao mesmo tempo que faz lei que obriga que os supermercados a que não deitem fora os produtos que ainda estão em condições e que doem aos necessitados. Na Alemanha por exemplo, prevê-se o fim do uso de automóveis a diesel nas cidades e  ponderam colocar à disposição da população os transportes públicos gratuitos. Por outro lado, também andam a fomentar na população, de maneira discreta mas contínua, o armazenamento de víveres (alimentos, água e papel higiénico). Bruxelas no entanto está a fazer com que os transportes públicos sejam gratuitos quando os níveis de poluição estejam já perto do máximo.
Conversando com uma amiga minha que vive na Dinamarca, ela diz que também por lá anda a mesma "cultura" de armazenamento de alimentos. Isso quando está sendo, discretamente é verdade, criado um exército europeu, dá muito o que pensar.  A Suécia, que até bem pouco tempo também não tinha serviço militar obrigatório, voltou a trás e agora os mancebos e mancebas em idade maior já batem os costados na recruta. A Suíça, esse belo e próspero país neutro, que durante duas grandes guerras saiu ileso e lucrando com isso, além de ter também serviço militar obrigatório, tem poder de armas e pode meter respeito.

Aí eu saí do campo e fui sentar nas bancadas para ver o jogo de longe...

Enquanto estamos fascinados como gralhas por contas de vidro com as estatísticas feitas à medida de crescimentos, com bolas de ouro e festivais cancioneiros, andam outros mais atentos a melhorar as condições de vida das populações e a intervir, de maneira mais prática, naquilo que consideram ajustados aos dias actuais. O facto dessa movimentação de re-recrutamento militar, mais andanças do tio Putin (então andou a ONU a pedir cessar fogo na Síria e nem tchum, chega o tio Putin e diz: "já chega" e a coisa pára??) e as bocas foleiras do Sr. Laranja colocam-me numa situação de alerta e também preocupada. Quando somos levados a crer no que colocam habilmente em cada telejornal e discurso parlamentar, podemos até ter esta ideia de que estamos bem e que agora é sempre a subir. Há no entanto esta vontade, quase que de agenda e de imitação, de criar atitudes e ideias que não nos cabe, nem nos pertence. E na embalagem destas situações, acabamos por ver o resultado triste e revelador dos que pensam e falam do que outros decidem que devemos pensar e dizer.

Hoje ouvi, numa troca de ideias normal e saudável, que "podes ter opinião mas não podes dizer, pois isso que dizes é homofóbico", num tom acusatório e de repreensão. Um direito constitucional de livre expressão e de ideias a ser podado nesta circunstância e também pelas iniciativas cretinas e propagadas pelas moças partidárias, que importam lá da América do Norte questões que serão mais ajustadas à eles que ao nosso modo de vida e impõe como sendo um caso grave aqui. E essa pessoa, que nem tem dois dedos de testa para pensar por si e que vai repetindo o que vão-lhe sussurrando em cada telejornal, em cada debate político ou conversa de café, tem um filho pequeno e a espera de outro. Preocupa-me que estas, e outras crianças a serem criadas pelo conceito de ouvir e repetir sem pensar, serão aquelas que vão governar e trabalhar neste mundo. Bela merda de herança...

Não vão acreditar no Pai Natal nem na Fada do Dentinho, mas vão ser aqueles que vão acreditar de pés juntos nas tais "estatísticas governamentais" de crescimento económico. E que temos os mesmos problemas que outros tem.
Crescimento económico? É só olhar e ver o número de jovens licenciados, a viver na casa dos pais a fazer part- time em virar hambúrgueres... isso quando consegue cunha para esse posto precário de trabalho. Ou batem as asas e fazem de seu lar outros países. 

Não leiam, não formem ideias próprias, nem pensem por si, apenas escutem e repitam o que acham que deves de pensar e dizer. Esse é o mote do futuro.

Vamos lá nos preocupar se a bunda da Kardashian cai ou se tem celulite; ou se aquele senhor que pensa ser da Coreia do Norte e manda num clube de futebol, dizendo o quê podem ou não ver ou ler, já decidiu qual a próxima enormidade que irá dizer. Isso e as festas da cidade, com cerveja e sandes de coiratos e o resto a gente só pensa quando for hora. Enquanto o céu for azul e puder ir levando a vida como sempre foi levando, sem dar conta dos movimentos do resto do  mundo e como aos poucos o que foi uma união prepara-se para ser um "cada um por si e salve-se quem puder", assim, a ignorância é uma bênção que vai sair cara.

Mas já aprendi uma coisa: é que se eu sair na estalada e murro por aí por que demoram a me atender no hospital, vou pedir que a minha pena a cumprir seja não poder ir à casamentos e baptizados. Ora toma!

Não sei se é do mundo ou se eu estou cínica demais outra vez.

Inté!


Rakel.


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