Tradição



Manda a tradição que por estas alturas uma pessoa já tenha montado (salve seja) toda a parafernálha natalina. Ele é árvore com bolinhas reluzentes, ele é luzinhas a piscar, mais um boneco do Pai Natal pendurado na varanda em jeito de "estou quase a cair", muita grinalda colorida e enfeites na porta de casa.

No que me toca o assunto, com um par gatos em casa, sendo que a mais nova é destrambelhada ao ponto de achar piada a tudo quanto vê e que lhe serve de brinquedo (até as velas decorativas servem para andar aos tombos pela casa), melhor é deixar uma certa paz e arrumação prevalecer ao encanto natalino. Até porque, não sendo cristólica (nem cristã, nem católica), o quesito Natal não me chama muito.  Hipocrisia não é meu forte e fazer de uma festa que não me diz nada, uma tradição a seguir é um bocado fora de página.

Mas a tradição tem os seus quê, uma data de protocolos a seguir, um desgaste de tempo e paciência que não fazem grande sentido. Parece que as tradições tem que ser bem trabalhosas e complicadinhas; parece que de alguma forma, seguir a tradição implica algum tipo de sofrimento e que qualquer tentativa de simplificação significa "o fim dos tempos".

Por exemplo, nas minhas experiências culinárias actuais (que estão mais viradas para a Ásia) tenho me debatido contra essa forma pouco prática da pré preparação dos ingredientes. Há um quê de masoquismo nessa coisa de cortar a faca em Juliana os vegetais quando um ralador ou afins fazem o mesmo e num tempo mais curto, salvando não só os dedos como a nossa vida. Tomem lá por exemplo fazer perto de 200 Momos (Dumplings para os amigos) que levam recheio de carne mais os vegetais em Juliana e dividir a massa em 200 bolinhas exactamente iguais. E me pergutam, mas para que fazer 200? Pois é que dá tanto trabalho fazer uma dúzia como fazer 200, então é fazer a porção maior e congelar em jeito de SOS futuro.



E me diziam com a maior seriedade que, enquanto eu não ganho prática é ir usando a balança e dividir a massa no peso exacto para fazer depois os discos exactamente iguais, para fazer depois as dobras e ficarem todos iguais. Olhei para a bola de massa, olhei para a balança e me vi ali horas infinitas a pesar, pedaço de massa que tira, pedaço de massa que põe e a tarde escoando sem nada feito. Simplificando o assunto, cortei a massa em três e estendi com o rolo até ficar bem fininha e depois cortei em círculos perfeitos com o cortador de biscoitos. Num piscar de olhos as 200 rodelas de massa estavam prontas para receber o recheio e serem fechadas. Mas quando disse que tinha feito desse modo, bom, veio aquele olhar escandalizado dizendo que "tradicionalmente não se faz assim" e foi como um tipo de heresia da minha parte.

Manda também a tradição que, para lavar as paredes de casa, uma pessoa tem que subir e descer do escadote umas 300 vezes no molha o pano e enxagua o pano. E tem que andar ali feita fã do Toni Carreira, a dar aos braços até deixar de senti-los.  É isso ou então escolher o voluntário à força que vai fazer isso por mim no que toca ao enxague dos panos; e reclamar que "já tá bom, já chega" e resmoer que não é o Palácio de Versalhes para tanta dedicação.

Então, neste Verão, olhando para o tamanho do problema a ter que ser resolvido, paredes com mofo e a ter que ser tratadas e depois pintadas, resolvi simplificar. Um rolo de pintura anti pingo novo, chão forrado, um cabo extensor, bandeja de pintura cheia com lixívia pura e toca de passar uma demão de lixívia nas paredes. O resultado foi revelador. Não fiz aeróbica de escadote, não fiquei ali em concerto de dor de corno/plágio e poupei tempo, imenso tempo com as paredes com cara nova e prontas para levar o antifungo e tinta. Mas uma pessoa fica sem perceber o problema quando explica esse método tão simples e eficaz e recebe na volta um "és mesmo passada da cabeça" como resposta.

Meus caros, as tradições são apenas minúcias, preciosismos para puristas que precisam destacar-se como hábeis e que seguem essa risca traçada no chão pelos antepassados que até tinham muito menos por onde fazer o que hoje não só o engenho, mas também os materiais, ajudam. Quando for servir os meus Momos, ninguém vai perceber se a massa foi estendida e cortada ou se foi aquela penitência de bolinha por bolinha. O que interessa  no fundo é que saiba bem e satisfaça.

Talvez por isso, sabendo que as tradições são apenas um pró forma seguidas por Totós, que aquele senhor que dizia que os países do sul eram só "putas e vinho verde" disse que era o Centeno que ficaria no lugar dele. 

Isso antes sequer de terem votado.

E só por aí vemos que nestas coisas de política tem tanto de rectidão e de seguir os protocolos, que toda gente já sabe, por antecipação, quem vai e para onde vai.

E por aí vai...


Rakel.



Comentários