Linhas Invisíveis



Por muito que o mundo avance no seu processo evolutivo, por muito que a ciência explique e que cada vez mais são resolvidos os mistérios do Universo, há sem dúvida algumas coisas que não tem explicação. Muitos são aqueles que acreditam na lei inexorável do Destino, essa fatalidade da qual não conseguimos escapar. Outros dizem que isso é tudo coisas de gente supersticiosa e sem dois dedos de testa. Eu, por estas alturas do campeonato, já não sei nada de nada.

Acho que toda gente leu ou viu nas notícias sobre aquele tiroteio em Las Vegas onde morreram pessoas que viviam pacatamente as suas vidas, sem esperar que um maluco de arma na mão desatasse aos tiros a eito e desse um fim tão trágico às suas vidas. Alguns escaparam, refizeram as suas vidas depois desse acontecimento trágico. Mas houve alguns que realmente deram-me o que pensar nessa história do que é predestinado, dos dribles e o final arrematado pelo Ceifador, que acaba sempre por reclamar aquilo que lhe pertence.

Um casal que escapou desse tiroteio, acabou por morrer num acidente rodoviário duas semanas depois, o que me levantou logo o meu desconfiómetro nesse caso. Na semana seguinte desse casal, foi a história de um homem, também sobrevivente desse mesmo tiroteio, que morreu depois de ter sido atropelado quando fazia o percurso de caminhada. Aí, uma pessoa pára e começa a colocar a cabeça a funcionar e a pensar: "mas que raio???"

Agora foi a vez de Heather Snyder, a sobrevivente de um tiroteio num cinema no Colorado em 2012, que morreu inesperadamente no Domingo passado. Segundo as palavras do pai, é esperar o laudo médico para saber as causas da morte dela.

Uma pessoa, por muito pragmática ou séptica que seja começa a fazer contas de cabeça e o resultado não bate certo. Quer dizer, por mais que tentemos adivinhar, de saber do futuro ou aquilo que não queremos passar para driblar isso tudo e jogar a nosso favor, o tal do Destino acaba por fazer exactamente aquilo que era suposto acontecer. E porque estou eu aqui a desenterrar (salve seja) e a colocar aqui um assunto tão mórbido? São perguntas que andam a orbitar a minha cabeça, sem reposta à vista.

Teremos realmente uma hora marcada, estipulada de antemão para andar por aqui, neste mundo de delícias, ou é tudo uma enorme coincidência?? Teremos mesmo a nossa linha a ser tecida, amarrada e cortada por Parcas com um sentido de humor duvidoso? Seremos mesmo nós os donos do nosso Destino, decidindo, mudando e torcendo o rumo dos acontecimentos?

Sabemos que o nosso folclore urbano está recheado de histórias parecidas, dos que iam pegar um avião ou comboio, mas na última da hora, ou acordaram tarde ou ficaram doentes, escapando assim de um acidente fatal. São daquelas histórias que o protagonista é filho da enteada do avô da vizinha do 5º direito. Uma pessoa sem nome, nem rosto à quem não podemos reflectir e ter alguma certeza.

Os mais optimistas dirão que estes sobreviventes escaparam apenas por que não era ainda a hora deles; mas diante destes fins estúpidos, será talvez a maior crueldade pensar que a hora tenha sido adiada em duas ou três semanas de intervalo. Os 5 anos depois da Heather ainda poderiam ser vistos com essa justificativa, mas morrer com 31 anos e com tanto ainda por viver não será menos cruel e avassalador.

É nessa hora que afirma-se como é desnecessário o investimento que muita gente faz em todo bruxo e vidente que antevê os maus augúrios e mostra em antestreia o futuro brilhante e desejado pelo ansioso cliente. Dirá ele, na sua sabedoria, ao cliente que está diante dele que no mês tal do ano tal vai morrer de forma trágica ou não natural? Duvido que o faça.

Mas se fizesse isso, não iria o tal cliente evitar todos e mais alguns motivos para colocar em risco a sua vida? Acho que é razoável pensar que sim. E lá vai o tipo, pedir uma licença sem vencimento, fechar-se em casa e esperar o mês todo passar, meio que em jeito de mostrar o dedo do meio à morte. Ironicamente, passado esse mês pré-destinado de morte, ele sai de casa no dia seguinte e vai voltar ao trabalho, tropeça nos cordões do sapato e descatrapila-se do alto das escadas e malhando com a cabeça no mármore da entrada do prédio. The End.

Então...

...por mais voltas que uma pessoa dê pelos meandros da fuga a sete pés do que não deseja, invariavelmente vamos acabar por ter que palmilhar esse caminho que tanto tempo gastamos em evitar. E se temos essa linha invisível fiada, com nós dados por Parcas insensíveis aos nossos sonhos e desejos, é coisa para pensar em viver o melhor possível, pois não sabemos quando a que corta a nossa vida está com TPM e passa a tesoura em tudo quanto é linha que lhe cai nas mãos.


Rakel.


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