Não posso afirmar categoricamente que durante este longo percurso de vida não tenha dado umas valentes argoladas. Mesmo não me faltando dois dedos de testa e usando o desconfiómetro, vez por outra lá caio da esparrela de fazer a escolha menos acertada. Não é a desculpar-me a com falibilidade do meu âmago humano, imperfeito e pecador. Não, não é isso. É mesmo aquele momento em que achamos que estamos a fazer o correcto e depois quebramos a cara. Acontece e pronto. A dignidade fica um pouco amolgada, lá temos que arrumar e colocar no lugar toda essa trapalhada e voltar a erguer a cabeça.
Também não me ponho a fazer cálculos complicados e estatísticos entre erros e acertos; é das coisas que mais me favorece ao bocejo e a perda total de concentração. Que será o mesmo que dizer que é pura perda de tempo. E agora então que aprendi a desligar o aparelho, é uma paz que não tem preço.
E foi pensando nisso do preço das coisas, daquelas que tem por si e pelas outras que não tem, mas podem dar-se sempre o famoso jeitinho, da tal da dignidade e os cobradores de moral, ando aqui a fazer um exercício filosófico, que se me permitem, vou explanar sem com isso formar um juízo de valores. É o tal exercício que vai resultar numa opinião e essa vale o que vale.
Em primeiro lugar venho afirmar que gosto de ouvir os moralistas e os seus juízos de valores; geralmente são pessoas que tem o dom de parecer acima de qualquer dúvida e que apontam dedos em riste e voz composta os erros alheios. Colocam acima de tudo a própria imagem como correcção e exemplo a seguir, já que tiveram uma vida recheada de todas as provações, saindo vencedoras apesar dos pesares. São justamente essas pessoas que nos dizem todos e cada um dos pontos das nossas falhas; escusam de esperar por pontos abonatórios, geralmente são invisíveis aos olhos destas incríveis pessoas.
Arrontam uma dignidade acima da excelência, são o supra-sumo do verniz social de correcção. Quando falam connosco, sabem não só a solução de cada erro, de cada passo ou escolha que fizemos como a maior cagada do mundo, como pretendem fazer-nos sentir pior que uma barata de esgoto. Mas tem um lado contraditório interessante; por um lado acham que ajudar e fazer o bem é uma obrigação de cada ser humano neste mundo (é certo nesse ponto), mas acabam na maior parte das vezes e nas conversas que intercalam com as lições de moral e bons costumes, como uma auto propaganda, da sua enorme generosidade e como seria o mundo um lugar pior se não fossem os seus abnegados sacrifícios. E uma pessoa então confunde-se: mas afinal, ajuda porque é certo ou é apenas, e mais uma vez, uma forma de colocar-se acima dos melhores??? Decidam-se, se faz favor. Ou não ajudem de todo, se caso for cobrar posteriormente pela ajuda dada. Ou tentar fazer com que quem é ajudado se sinta culpado. Isso não são bons costumes de uma boa moral, certo?
Nunca calçaram outros sapatos senão aqueles que sempre usaram, desconhecem por completo outros modos de vida, pois a perspectiva que ganharam é apenas feita na órbita do próprio umbigo. Vivem naquela caverna platónica, de onde enxergam sombras de um mundo desconhecido.
Não é caso para dizer que também nunca fizeram, e não foram poucas, más escolhas na vida delas, mas são abençoadas por uma amnésia selectiva muito ginasticada. Mesmo nunca tendo vivido as experiências alheias, sabe timtim por timtim exactamente como faria, se fosse no lugar dele/a.
Uma pessoa a lidar com esta qualidade de pessoas até pode sentir-se desconfortável, no caso, até acho divertido. Por um lado, quando a pessoa é de meu longo conhecimento, tem a desvantagem de esquecer a minha memória de elefante e que embora os ditames que largam sejam interessantes...não correspondem à realidade anteriormente vivida. E relembrar estes pequenos, como direi? lapsos de memória, acabam vez por outra com uma valente birra amarrada ou então o clássico "isso agora não interessa". O tempo, passando na sua própria velocidade, vem-nos mostrar, cedo ou tarde, que até mesmo a alma mais impoluta e de um juízo de valores à prova de bala, cai como outro qualquer.
São revelações importantes e interessantes. Percebemos que qualquer pessoa, seja qual seja o seu elevado valor moral, acaba por sofrer dos mesmos tiques do comum e falível mortal que tanto tentam ensinar a viver. À mim não me compete cobrar seja o que for desses desvios de comportamento; sinto-me muito mais gratificada por perceber e ver que essa pessoa engole o dito por não dito. É daquelas coisas que vale uma vida inteira para assistir, perceber que até a mais alta dignidade tem um preço. Mas é um mundo lixado, não é? Terem que lidar com frustrações que não podem ser anuladas (a vida, na sua malvada justeza, decide negar aquilo que mais queremos), terem que aguentar o facto que o sentimento de culpa que tanto tentam vestir nos outros, nem sempre dá certo. E todas essas aporrinhações que não estão com muita vontade de encarar, são aquelas que justamente acenam e chegam à porta de mala e cuia para ficar.
À mim, o que me faz espécie, é todo esse trabalho, investimento na construção dessa personagem e desse aparente mundo perfeito criado em redoma. E no fim, acabam comendo na roulote uma sandes de couratos e bebendo pelo gargalo às 5 e 30 da madrugada numa pós rambóia nocturna.
É caso para dizer, no melhor pano cai a nódoa. Toda gente tem um preço...
Rakel.
PS: estava mesmo a acabar o post quando, mais uma vez, a vida deu-me a oportunidade de rir-me um bocadinho às custas desta personagem. O meu muito obrigado.
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