Há coisa de quatro anos atrás, comecei a acompanhar um programa de TV sul coreano de entretenimento; peguei justamente no começo quando os participantes recém convocados estavam a ser apresentados uns aos outros. Um grupo de homens bem diferentes que, no seu conjunto faz a pequena amostra do universo masculino: o comediante com tiques de trapaceiro, o gordo com veia romântica e forever alone, o tontinho e com ar de burro, o tipo sorridente e de gargalhada solta, o mais novo com a pele do puto rocker e irreverente e um nadinha denso e o cavalheiro educado, mas com uma proverbial falta de sorte.
Esse grupo então dedica-se às provas mais mirabolantes pensadas pelo director e produtores do programa; percorrem o país dando aos telespectadores do mundo inteiro um vislumbre dos usos, costumes, paisagens e culinária do país. Aos poucos fui percebendo que, apesar de cada um deles estar dentro do mundo artístico como actores e músicos, todos tinham o mesmo objectivo na vida: uma família. Dizer que os conceitos de engate lá para aqueles lados será das coisas mais mirabolantes que já vi é pouco. O conceito de casamenteiras é uma instituição social corrente e aceite. Passando de uma determinada idade, no caso das mulheres, que ronda aí pelos 25/30 anos, sem namorado ou noivo é arranjado por familiares (tias, avós) um homem ideal que é apresentado para que haja uma..ignição. O ideal nessa sociedade é que, mesmo que ela tenha estudado e conseguido uma profissão, numa determinada altura abandone tudo em prol do casamento e dos filhos que virão. Pergunto-me muitas vezes se no caso de infertilidade de um dos lados, o que acaba por dar.
No caso dos homens a coisa pode suceder de duas formas: há o plano e há o enche barriga. O enche barriga é mais ou menos um plano feito em cima do joelho: o tipo bate os olhos numa mulher, enrola-se com ela, com sorte engravida-a e lá casam tornando a relação digna. O Plano é algo que pia mais fino e obedece a critérios maiores. Então o tipo, seja em que profissão for, mata-se a trabalhar em regime exaustivo; o objectivo é conseguir não só alcançar sucesso mas também amealhar o máximo possível. A meta é chegar aos 40 anos com ambos, dinheiro e sucesso, para aí sim, escolher a mulher que será a mãe dos filhos. E aí bate o problema.
Nesse grupo de homens que serve de cardápio estatístico, aquilo que dizem é justamente isso: encontrar uma mulher para ser a mãe dos filhos e que seja uma boa mulher. E ser uma boa mulher, no caso, é que fique no seu lugar de mãe e esposa como há 200 anos atrás. Nenhum deles disse: "quero apaixonar-me" ou até "quero encontrar a minha alma gémea". E acredito até que durante todo o tempo que estiveram a escalar a dura montanha do sucesso, devem ter sacrificado ou deixado pelo caminho talvez grandes sentimentos pouco desenvolvidos. Do grupo de seis homens do programa 2 Days 1 Night da KBS, apenas um estava na casa dos 20 quase nos 30 e os restantes nos 40 anos de idade. Um deles, nunca sequer beijou uma mulher durante toda a vida. Dois casados, e o resto na esperança.
É normal afeiçoar-nos à um determinado personagem ou actor, no caso a minha afeição foi directa ao cavalheiro sem sorte. Talvez fosse pelo timbre de voz, já que eu tenho este ouvido que gosta de uma boa voz de homem e a sua maneira educada e sensata de ser. Com 41 anos, actor já reconhecido na Ásia, o grande sonho de Kim Joo-Hyuk era encontrar a mulher certa para casar e ter muitos filhos. Durante os dois anos que esteve no programa, deixou bem claro que era este o momento certo para começar a procurar a mulher ideal, desacelerar e criar uma família o mais depressa possível. Quando saiu (já que filmava e fazia o programa ao mesmo tempo) foi um claro aviso que já tinha o fim do plano em andamento. Há coisa de mais ou menos 3 meses saiu a notícia de que ele já tinha encontrado a noiva ideal e que os planos de casamento estavam em andamento. Mas...
Kim Joo-Hyuk |
...dia 30 do mês passado, voltando para casa depois de acabar as gravações finais da última novela que participou, o cavalheiro sem sorte, aos 45 anos de idade teve um ataque cardíaco fulminante, perdendo o controle do veículo e batendo estrondosamente contra a fachada de um prédio. E uma pessoa começa a pensar que, afinal, essa história de que quem se esforça e faz o seu melhor é sempre recompensado é uma valente treta. Morreu uma pessoa que simplesmente trabalhou honradamente, deu o melhor de si, amealhou o quanto pôde e usufruiu pouco.
Isto tudo a razão do quê ao certo neste post?
Me perdoem ou não, tanto me faz, os novos sherpas do mundo espiritual que, até há coisa de um par de anos, nem sabiam o que era meditar e que acham que agora percebem o sentido do Universo e das maravilhas da recompensa daquilo que semeamos. Olham para uma folhinha no chão e já desfiam o discurso das leis universais e da bondade infinita do budismo e das curas milagrosas de uma tisana. Tudo aquilo que tenho percebido até agora e que ficou de cabeça para baixo é aquela velha máxima de "merdas acontecem" e que essa história de que o Universo se dá ao trabalho de perceber os merecedores, é um conto da carochinha.
Me perdoem ou não aquelas pessoas que ponderam sobre os benefícios ou não de atitudes ou escolhas que estão ali diante deles e planeiam, adiam, riscam projectos com data marcada, objectivos à longo prazo e que pensam que controlam todos os detalhes da vida.
Shit happens.
No caso, se me permitem a sinceridade, se levo alguma coisa na vida é aquilo que vivo, não aquilo que amealho ou projecto à longo prazo. E no salto de fé, apesar dos pesares, se não der certo no final, ainda fico com a experiência da sensação de voo e de nunca me chutar depois, carregada de "...e se".
Rakel.
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