Desligando




Opinião pode ser aquilo que a pessoa formou diante a comparação de factos; também pode ser um repetir de dizeres que não se colocam em causa. Pontos de vista diferentes não são necessariamente errados, fazem parte do que foi sendo adquirido durante a vida ou na preguiça, herdado de gerações anteriores; mais ou menos toda gente já bateu de frente com opiniões estúpidas, brilhantes, absurdas, grotescas, fantásticas e cretinas. Faz Parte.

Diante das cretinas e mal fundamentadas, uma pessoa poderá ter duas opções: por um lado contrapor e tentar rebater ou então, como se costuma dizer, "desligar o aparelho" e deixar rolar pelo chão essas pérolas de sabedoria. Tenho uma certa queda por ter à minha beira pessoas de diferentes pontos de vista; algumas vezes, é certo, por uma questão de sobrevivência meto-me na caixinha do nada e fecho a tampa, passando-me ao lado algumas coisas que até poderiam estragar a minha qualidade de vida. Noutras vezes perco coisas hilariantes, como por exemplo, a de um tipo que não conseguia fazer uma conta com IVA por não achar na calculadora a tecla dessa operação. Nessa altura eu realmente estava na caixinha do nada.



Há coisas que definitivamente mexem com o nosso sentido de capacidade dedutiva e de lógica; num grupo de pessoas com diferentes modos de vida acaba sempre por haver "tipos" comuns à todos outros grupos. A que escolheu ser vítima e prefere jogar paninhos quentes para parecer bem; a lapa que intromete-se em todas as conversas e já fez, já foi e tem um primo que é e faz isso. Seja o que for. Tem o revoltado sem causa e sem dois dedos de testa; há o velho do Restelo que apregoa que está tudo mal e nada vai dar certo; há a Zen, há os boa onda e há os pica miolos. Em qualquer lugar, seja no trabalho, família ou socialmente falando, há sempre um personagem destes que faz parte da flora e fauna de grupo.

Comecei, tarde é verdade, a aprender a desligar o aparelho quando  alguma personagem sai-se com tiradas mais idiotas . A vítima por exemplo:

Tem 31 anos e nunca trabalhou na vida; a culpa diz ela, é das pessoas não a aceitarem pelo facto de ter uma deficiência no braço esquerdo, uma má brincadeira genética que lhe retirou tudo do cotovelo para baixo desse braço.  A questão é que ela desde os 18 anos é reformada por incapacidade. Isso quer dizer que ela, na idade de lutar com unhas e dentes por conseguir ultrapassar esse pequeno erro genético, preferiu antes jogar a toalha no chão e beneficiar de uma pequena renda vitalícia. No entanto, é uma profissional dos cursos do IEFP, fazendo-os uns atrás dos outros aproveitando a bolsa, e outros subsídios que consiga agarrar. Mas a conversa é sempre a mesma: "não me querem por causa disto", e mostra o coto. Lutar por uma vaga nas quotas das empresas para pessoas com deficiências é que não. Isso seria obriga-la a largar o telemóvel e fazer alguma coisa de útil. Amua quando damos casos de pessoas com mais incapacidades do que ela e que foram à luta, trabalham e conquistaram uma relativa independência.

O revoltado sem causa é aquele tipo de pessoa que faz cagada, não correm bem as coisas
pelas suas escolha idiotas e depois reclama e reclama do sistema, do mundo e dos outros. Mas quando pergunto se não foi da escolha dele essas opções que lhe deram esses resultados, ele prefere mudar de assunto e desconversar. Desliguei o aparelho de vez depois de ouvi-lo dizer que ia se separar da actual mulher porque ela não lhe faz todas as vontades. Daí percebi que cabelos brancos não significa coisa alguma.

A lapa cansa os ouvidos de um tudo que ela já fez, conhece e tem; se algum dia eu conseguir levar a conversa para esse lado, ela ainda vai afirmar que esteve na manjedoura no dia que Jesus nasceu.  E que tentou aconselhar Judas. Mesmo que a conversa nem seja com ela. Tamanha necessidade de atenção é alarmante, e uma pessoa mesmo que tente, não consegue fazê-la entender que precisa do seu "espaço aéreo" desimpedido. Ela literalmente gruda-se à nós, agarra, mexe no cabelo, nos colares ou pulseiras e já esteve mais longe de levar com uma bifa nas fuças. Quando abre a boca para dar opinião, faz sempre aquele ar de "eu sei muito disso" e começa com o clássico: "Prontos, esta é minha opinião..."

Eu só queria 0,10€ por cada "prontos" que ela larga.

Desse pequeno grupo de gente com propensão a dizer alguma idiotice, aprendi duas coisas: que dada a minha falta de pachorra e tendo já o bastante que me aborreça que é verdadeiramente importante, simplesmente viro as costas e vou dar uma volta. Ou entro na caixinha do nada e desligo o aparelho.

Só há um personagem que ainda não consegui desligar ou fechar completamente a caixa; é aquele tipo que acha-se com imensa graça e genial, que usa o mesmo bordão (e como ele ri-se sozinho, meu doce Krishna) até uma pessoa começar a amarinhar pelas paredes. Por tudo e por nada ele solta sempre a mesma frase e ri-se como se fosse a descoberta do século.

Se caso fosse uma hiper-sensibilidade da minha parte, ou uma antipatia gratuita eu conformaria-me com o facto. Mas pelo que parece... não sou só eu. Somos muitos...

Mas vendo tudo numa perspectiva mais alargada e dando preferência ao que realmente interessa, há já demasiado na vida para tirar-me o gosto do céu azul com o qual vamos sendo brindados nestas manhãs gélidas de Novembro e que, perante tantas coisas mais importantes na vida...gastar vela com mau defunto é coisa que não vale a pena.

E no entanto, há nessa gente a ideia errada que eu sou uma boa ouvinte e muito boa pessoa; eu pelo meu lado, desligo o aparelho e fico a ver a boca a mexer e sem ouvir patavina...


Rakel.



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