Meu primeiro Verão em terras Lusas, lá pelos idos de 1981 foi sufocante; em plena capital do Ribatejo, onde nas noites de Junho não corria um ar, e quando acontecia de sair para qualquer coisa recebíamos aquele bafo de forno de padaria mal abríamos a porta da rua, dormir era quase um assar lento e torturante. Lembro-me da minha mãe muito grávida, em final do tempo e mal suportando os 40º que o termómetro mostrava. Nesse tempo, estava a viver provisoriamente com os meus primos e numa dessas noites quentes, fui a cozinha e vi o meu primo Zé Duarte sentado numa cadeira, a dormir em frente ao frigorífico aberto e com os pés a descansar numas alfaces. Foi um Verão escaldante, onde incêndios não aconteciam como agora.
Dez anos passados, ainda a viver em terras scalabitanas, era eu a muito grávida em final de tempo e das noites insones e abafadas. Pés inchados em cima da mesa de centro, janela escancarada e olhando para o termómetro electrónico da praça de touros a marcar 42º às 11 da noite de um Agosto tórrido. E incêndios, um ou outro, coisa de pouca monta.
Passei para outro século, mudei umas quantas vezes de casa, vivo noutra cidade e tenho a Serra de Aire como meu cartão postal todas as manhãs; já conheço-lhe os humores e percebo se vai ser um dia de calor ou de frio e céu cinzento. Ontem não vi-lhe o rosto, nem sequer a cor do céu; o ar era feito de fumo e cinza e os bombeiros aqui da cidade num corropio de carros a sair e voltar com os homens e mulheres extenuados.
Há um par de anos, quando andou praí tudo a arder como Roma de Nero, eu comentei com algumas pessoas que, felizmente, o pinhal de Leiria não tinha sido tocado. Que se calhar as almas dos velhos Reis velavam pela sua segurança.
Foto de P. Lyon |
Foto de P.Lyon |
Foto de P. Lyon |
Foto de P.Lyon |
Incêndio de Vieira de Leiria no dia 15 de Outubro às 17H00. Foto de Hélio Madeira, bombeiro da unidade especial Canarinhos, em Vieira de Leiria. |
Desde o dia 15 que acho que os ossos destes antepassados devem ter revirado nas tumbas; com dois completos idiotas a ministrar mal e porcamente e ainda por cima a dar como Outubro como o fim da época de fogos, lamentando inclusive a falta de férias com novos incêndios...foi ver com dor na alma tudo em chamas. A Praia do Pedrogão pode não ter o charme nem a evidência que outras praias terão; mas foi um dos lugares onde tomei uma das melhores decisões da minha vida. Passar por aquele local acalmava-me. São Pedro de Moel, Vieira de Leiria não são as praias mais quentes, mas são lugares emblemáticos para mim, assim como era o pinhal. Era o pinhal...
80% dele foi-se todo.
Continuem a votar em idiotas.
Depois não se queixem.
Rakel.
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