Experiência, Teste - 1,2,3!




Três pessoas dentro de uma casa e não sei onde assinei algum contracto implícito de que a loiça é por minha conta; das coisas que me torram a molécula é o do lavar loiça; detesto e parece que a pilha vai ficando cada vez maior e maior em cada refeição que pulo esse esfregar de umbigo no lavatório. Dado que a tecnologia evoluiu tanto e que progressivamente vem melhorando a qualidade dos aparelhos ao ponto de uma máquina de lavar loiça avaliar tudo e decidir o melhor programa, logicamente aposta-se numa dessas maquinetas.

Até aí o assunto vai bem, quem não tem veia de guaxinim (é um mamífero de pequeno porte que sofre de T.O.C e tem que lavar tudo que lhe caia nas mãos) e nem vai muito à bola de ganhar varizes nesse chafurdar no detergente e água e que sabe que lavar loiça a mão é desperdiçar cinco vezes mais do que numa máquina cheia, vai lá e compra a geringonça. Como disse, a tecnologia avançou de tal maneira que uma pessoa compra a dita máquina e depois dois anos de garantia mais três dias a maquina fina-se sem contemplações. Aí temos a maior evidencia da face da Terra: temos pratos para dar e vender e que vão sendo usados a granel até ao limite suportável para uma cozinha arranjada e higienizada.

Chegar da rua depois de um dia cansativo e calorento e ver loiça acumulada é de dar vontade de amarinhar pelas paredes. Na maior inocência (ou não) perguntam-me se quero ajuda, e olho para a louça acumulada com olhar de morte e vontade de espingardar. Há processos na mente masculina que só se activam perante a evidência do pavio curto e pronto a estourar. Não antecipam. Loiça e lixo a dupla que mais problemas me criam na vida pacífica da família.

Mas admito que 50% da culpa me cabe por ter tanta loiça numa casa com três pessoas e sem máquina; enquanto há loiça para sujar é um ver se te avias desbragado e lá vão perto do hora e tal de pé e perdendo tempo com a loiça.

Tirando partido do novo conceito do minimalismo oriental, da frugalidade de modos de vida mais avançados que os nossos,  e duma monumental falta de paciência, resolvi (a meu favor, como é lógico)  por essa via simplista de viver e embargar esse contracto místico de ser só eu a lavar a loiça: três pratos, três tigelas para sopa, três copos. Lembrando de uma mente genial que até usa a concha da sopa para tirar uma fatia de omelete de forno, as caixas plásticas levam a mesma razia e reduzem-se a meia dúzia delas, não vá ele lembrar de comer arroz de feijão com pataniscas numa caixa plástica para guardar 5 litros de sopa. Talheres idem aspas.

E foi a fazer essa selecção de loiça e, antecipando que fossem ao louceiro da sala para ripar a louça da minha bisavó em desespero de causa, é que vi a diferença no diâmetro dos pratos de antes para os dias de hoje. Um prato raso inteiro antigo preenche por completo a parte interior de um prato actual. Isso quer dizer que de forma indirecta estamos a comer como umas cavalgaduras. Ter o prato completo é sinónimo de uma boa refeição, repetindo por vezes e percebendo o quanto vamos entuchando sem dar por ela. Aliás, um prato de sobremesa actual é do mesmo tamanho desse prato raso antigo. E só aí percebemos essa evolução obesa e consumista para a qual vamos sendo encaminhados.
Mas esta razia na loiça vai obrigar que cada um lave o seu prato, pois o objectivo é esse aliando então também um conceito mais racional de alimentação. O resto vai encaixotado três andares abaixo, de  onde não acredito que façam missão de resgate; se forem, aproveitem e ponham o lixo no contentor. :)

Olhei para a sala e percebi da minha vontade de colocar em prática "o menos é mais" e ando em guerra aberta interior pela questão dos livros. Mas como eles ficam sossegadinhos nas estantes e não há muito bibelô para encaixotar a razia vai ser pouca. Como resultado desta manifesta revolução anti loiça percebo que além de gastarmos tempo, dinheiro e espaço com adornos desnecessários, somos uns totós no que toca ao nosso conforto. Ter muito não significa que somos melhores. "ahhh e tal e quando tens que dar um jantar para mais gente?" aí fazemos um tipo de Resgate do Soldado Ryan e vamos buscar só aquilo que precisamos. Só o que precisamos.

Não sei ainda como esta experiência doméstica irá correr mas estou manifestamente empenhada em ver se a cozinha começa a ficar mais aprumada sem o meu mau génio a transpirar em cada olhada em pilhas de loiça e falta de motivação ou se me deixo vencer por isso. Mas, no que toca à água: tanto quanto pude apurar, vamos ficar sem chuva até ao final deste ano; contando que já há lugares onde vai-se de margem a margem do Tejo a pé, o melhor é começar a pensar em usar os garrafões e bidões para stock de água, pois provavelmente vou viver a mesma sina de 1981 e o racionamento dela. E essa cena da loiça em modo 3X3 dá um jeitão com falta de água...


Rakel.


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