Compasso



Ainda o sol brilha com toda força, aquece e torra a pele num despegar lento de quem solta a mão do Verão aos poucos. Como se segurasse os dedos do Estio até as pontas, prolongando o toque, esticando o momento. Não quer ir embora e não pode ficar, a vontade contra a necessidade; e o mundo fica baralhado. Enquanto as folhas mortas vão caindo no chão como o despegar de um passado muito vivido, ao mesmo tempo florescem com exuberâncias as flores que deveriam só surgir na próxima Primavera.

A antecipação da promessa duma Primavera feita pelo o Outono, com o senhor das castanhas assadas (em mangas curtas), com o restolhar das folhas e com a ausência das andorinhas e cegonhas, dizem que a estação mudou. Mas como muitas vezes nós surdos para o mundo fazemos, não prestando a atenção, evitando olhar para os movimentos dos ciclos, só ouvimos e prolongamos esse lento despegar; é um adeus que se adia até ao último mudar da hora, da noite esticar pela madrugada obscurecendo o céu que, embalando o berço onde descansa a semente, até mais tarde tudo silencia.

Ainda não se vêem as calçadas molhadas, nem ouve-se o bater suave da chuva nas janelas; ainda perdura o céu azul as noites fora de casa,  das noites ébrias e de tardar em dormir .

O Verão pode estar a adiar a sua partida, ficando cada dia só mais um pouco; mas sem dúvida já se sente, pelo menos para mim, a falta da chuva a cantar canções de embalar, dos livros e manta no sofá, o chá quente  ou as pipocas e filmes antigos. O corpo começa a pedir mais lentidão, que não se apressem as idas e vindas e que tudo seja mais apreciado do que mastigado às pressas.

Apercebi-me com o tempo, que prefiro a suavidade de um Outono ou Primavera do que a intensidade incontrolável e cansativa de um Verão ou Inverno.

Duas estações e seria o meu mundo perfeito.


Rakel.




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