Como podemos medir os valores? Sejam estes os dos objectos ou afectos, ambos fazendo parte dos nossos dias? Pregar o desprendimento daquilo que é material é fácil, outros tantos serão os motivos que muitas vezes nos levam a abrir mão do que mais valorizamos. Ok, podemos calcular valores pela cotação dos metais preciosos, das pedras, a pureza das pérolas ou pelo trabalho vindo das mãos do artífice que as elaboram. É absolutamente impossível calcular afectos numa escala pré determinada por entendidos e estudiosos.
Muitas vezes, aquilo que verdadeiramente damos valor são justamente aquelas que aparentemente não tem um valor ou que seja cotável ou mensurável pela capacidade do artesão ou pela raridade do metal ou gema. Muitas vezes há pequenos e modestos pertences que estão presos às memórias, sejam de pessoas ou acontecimentos.
Hoje deram-me uma pequena pregadeira de peito, pouco maior que uma moeda de 50 cêntimos; feita de porcelana e pintada a mão é o tipo de objecto que passa desapercebido numa banca da feira da ladra ou numa taça de uma loja de antiguidades. A questão é que, a pessoa que me deu essa pregadeira, já vai nos 80 e tais anos de idade, e segundo ela, pertenceu à sogra dela e que fazendo as contas e conhecendo a história desse objecto, já ronda os 100 anos. Passou de uma mulher para outra, e como ela disse, não tendo filhos e filhas, e sabendo da minha paixonite pelas coisas antigas, achou que ficaria em boas mãos. Ao ouvir toda a história e os motivos que levam a deixar comigo essa peça pequenina de porcelana, deixou-me a alma acabrunhada.
Valores.
Há caminhos insuspeitos que nos levam para lugares e pensamentos que nunca tivemos antes; hoje percebo isso diante da actual realidade que foi-me imposta e tive que aceitar, mas felizmente chegando ao fim porque decidi mudar tudo e usei o sistema contra o sistema. Imposições não conjugam bem comigo. Quando não estamos bem, mudamos e isso ganhou mais ímpeto dando-me conta dessa realidade.
Racionalizamos e entendemos que tudo que começa tem um fim, e que não estamos aqui para viver eternamente. Somos frágeis, passageiros e fugazes. Nada do que temos acumulado na nossa mais ou menos longa vida, não irá connosco para debaixo de sete palmos de terra. Batendo de frente com essa tal realidade que ouvimos falar e que poucos experimentam, mesmo acreditando ou não na eternidade da alma num corpo perecível, é chocante acompanhar essa degradação que nos espera independentemente do nosso estatuto, dos diplomas ou o tamanho do apartamento.
Nessa conversa, o que mais ouvi foi o arrependimento das coisas que não chegou a fazer por medo, por colocar outras pessoas à frente ou então assumido valores sociais e familiares, antigos, costumeiros, obrigatórios e impostos. Dos poucos arrependimentos daquilo que se fez e assumiu, notei que estavam ligados justamente ao que não fez. O que ficou por dizer, o que ficou por fazer e aquilo que sempre ambicionou. Quando me colocou a pregadeira na mão, com a tristeza de ir largando memórias e afectos, não por vontade dela, mas pela imposição da situação, e embora eu estivesse triste com tudo que ouvi e percebi, prometi que ficaria em boas mãos. Que essas memórias e sentimentos ficariam depositadas comigo e que, quando fosse a minha vez de desprender-me das pequenas coisas com grande valor, eu acharia alguém que desse o mesmo valor que lhe dou.
Houve uma coisa que ela me disse, que achei interessante; que hoje preferia ter feito tudo aquilo que queria fazer, mesmo que algumas corressem mal, mas ter tido a oportunidade de ter feito algo por ela mesma, e que poderia olhar para trás e dizer: "eu pelo menos fiz, tentei e não me arrependo".
Escolhas são sempre difíceis de fazer, dar esse primeiro passo e seguir um caminho desconhecido e ao mesmo tempo assustador e sedutor pode parecer a maior cagada do mundo. Tentar calcular o que pode ou não dar certo é pura perda de tempo, esse precioso tempo que é irrecuperável. Eu posso, por medições e cálculos a antecipar perdas e danos, escolher não agir, não falar, emudecer e não participar. Hoje até posso dizer que mais tarde, não vai fazer diferença. Mas aquilo que tenho experimentado de segunda à sexta, dia após dia, é que no fim, olhamos SEMPRE para trás e vemos o tanto que ficou pelo caminho e, naquela grande incógnita, nunca ficamos a saber se poderia ou não ser uma boa, ou não, lembrança a levar connosco. Pois tudo o que fica no final, são as coisas que fizemos.
É verdade que ao lidar com ela e outras pessoas como ela, tomei noção de uma outra realidade; aprendi os verdadeiros valores. Mas esta experiência em si, tirou-me dez anos de vida e me acordou para uma dura realidade...que preferia desconhecer. Mas agora já sei.
Infelizmente.
Rakel.
Comentários
Enviar um comentário
Estamos ouvindo