House



Pensar um pouco nesse personagem que durante 8 épocas mostrou que os médicos não são deuses e que a genialidade pode ser acompanhada por um comportamento idiota, revela de maneira superlativa os meandros das maneiras que usamos como defesa pessoal. No caso, além do sarcasmo cáustico, um cinismo enorme, um ego inchado e a tal capacidade de desvendar os mistérios dos pacientes, temos um homem que briga com a própria existência e tenta suportar isso dopando uma dor psicossomática. House e o frasquinho de Vicodin que vai tomando como se fossem rebuçados. E a dor nunca cessa.

Num dos episódios da segunda série ele leva um tiro de um marido de uma paciente; resumindo, durante mais de metade do episódio o House sofre de alucinações e percebemos que o atirador é uma parte do subconsciente que conversa com ele no meio dessas alucinações. Há um diálogo que achei extraordinário; lembrando a célebre frase que ele costuma dizer quando examina os pacientes e não acredita nos que dizem, "Everybody lies", resolvi transcrever esse trecho de conversa entre House e Greg (aquele eu que escusamos de escutar) interessante e reveladora sobre o modo como as pessoas defendem-se atacando ou evitando. O medo maior do House era perder a capacidade de desvendar os tais mistérios médicos. Então...

Paciente/subconsciente : "Tu achas que alguém se importaria se perdesses essa tua capacidade?"

House escrevendo no vidro algumas hipóteses, fórmulas e cálculos ; "Estou trabalhando nisto" (um tipo de não me chateies a moleira)

Pa/Sub. "Tudo bem, não precisas de dizer nada. Deixa-me então afundar no teu subconsciente. Tu pensas que a única verdade que interessa é aquela que pode ser medida. Não contam as boas intenções, dar importância não conta; quando esse homem morrer, a sua vida não pode ser medida pela quantidade de lágrimas que derramou. E é assim porque tu não podes medi-las. É porque tu não queres medi-las (avaliar o sofrimento alheio). Mas isso não quer dizer que essas lágrimas (sofrimento) não são verdadeiras."

House "Isso não faz sentido"

Pa/Sub. "E mesmo que eu esteja errado, tu continuas a te sentir miserável. Tu realmente acreditas que o propósito da tua vida é sacrificares-te e não receberes nada em troca? Não...Tu acreditas que nada tem um propósito. As vidas que tu salvas, tu depois descartas (esqueces delas). Pegas numa coisa decente da tua vida (ser médico, ter amigos que se preocupam com ele) e mudas tudo, manchas, e tira-lhes todo o significado. Tu és miserável para nada. Não sei por que tu queres viver."

O diálogo dentro desse delírio é realmente interessante; escolher deliberadamente ser um cretino e génio ao mesmo tempo; magoar à ele mesmo e aos outros que se importam com ele; esconder-se e ao mesmo tempo punir-se com Vicodin e orgulhosamente só, até porque ele acha que assim é melhor para ele e os outros. Ele decide tudo isso, acho eu, mais por medo do que por arrogância. E quem mais perde é ele.

Há vários diálogos do House que acho interessantes, entre os problemas pessoais e reflexões geniais, cruas e brutais, cabe ainda naquele modo tosco de ser a amizade problemática com o Wilson e a Cody. É só prestar atenção para perceber que o "Everybody lies" inclue o próprio House.



Rakel.


Comentários