Factor C - O Maior espectáculo do Mundo





Imaginando-me com um chapéu alto, uma jaqueta cintada e pejada de lantejoulas a reluzir com o brilho das luzes de uma feira, daquelas que tem o homem mais forte do mundo que dobra barras de ferro e rasga listas telefónicas, anuncio o maior espectáculo do mundo. Ali mais adiante aparece a mulher barbada que também ostenta uma farfalhuda bigodaça e faz olhinhos ao engolidor de espadas e fogo. Imagino-me diante de uma tenda de cores garridas e a lona a tapar a entrada e os mistérios no interior. Sim, mistérios que custam um pouco a acreditar que existam, mas por obra de um abracadabra, existem.

Abro com a minha bengala a beirada da lona e deixo que o público ansioso veja o espectáculo mais deprimente do mundo: o factor C.

Dirijo-me ao público presente e peço que me digam quantos tiraram uma licenciatura; hei-de ver muitas mãos no ar. Os pais em geral sacrificam-se para que os filhos tenham uma boa formação e que com isso venham a ter melhores condições de trabalho e vida. Mas ali, naquela tenda, estamos a ver aquilo que verdadeiramente acontece no dia a dia, por mais apetrechado, empenhado e preparado esteja, sem o factor C, vencer é quase uma façanha. Factor C significa que até podes ser lerpado mental, não perceber uma ponta de corno do assunto, mas se tiveres a cunha certa (e hoje a política também exige e existe na base de uma boa cunha) podes ser chamado de doutor com um curso tirado ao domingo e pelas novas oportunidades - com equivalência ao 12º ano.

Neste mundinho absurdo e louco, fico a saber que há duas licenciadas que andam de esfregona na mão e lixívia a lavar casas de banho; que fique claro, para mim os Serviços Gerais são a alma de que qualquer empresa. Sem estas pessoas, não há casas de banho lavadas , nem papel higiénico no lugar. Não há comida feita, roupa lavada e passada, corredores e salas limpas, cestos dos papéis esvaziados e as janelas limpas. E é sem  dúvida nenhuma um dos empregos mais mal pagos neste país. A miséria do salário mínimo, que nos descontos fica nuns tais de 490,00€. Nem é uma nota de 500 paus.

Estas duas mulheres, que estudaram e prepararam-se, estão no mesmo trabalho das outras, umas com a 4ª classe, outra com o 7º ano incompleto...e com a Srª Drª Directora do estabelecimento que nem licenciatura tem, está a tira-la aos poucos. Qual o motivo desta discrepância? É que a Srª Drª Directora tem um forte factor C a escora-la, elas entraram no mundo do trabalho com a formação feita e zero cunhas.

E temos então esta evidência a chocar de frente com aquilo que achamos justo e temos que dar o espectáculo como mais um igual a todos. Infelizmente, é o que mais há por aí. Por um lado, o desprezo por esse trabalho básico mas extremamente necessário em qualquer lugar, os Serviços Gerais, por outro, anos e anos de dinheiro gasto numa formação que coloca os licenciados fora do campo pelo qual estudaram. E temos o factor C, que coloca ineficientes e incompetentes em lugares que não deveriam estar.

Mas é bonito ser chamado de senhor doutor ou senhora doutora; mesmo que, sendo licenciado, não defendeu tese, não fez mestrado. Apenas recebeu um certificado que lhe dá licença para exercer uma determinada profissão. Nem é seguro que essa pessoa tenha uma boa cultura geral. Assim, o que chamaremos então uma pessoa que nem licenciada é e ostenta o título de doutor?  Crime de falsa identidade? Futilidade? Personalidade cretina?

De facto, tirando estes pormenores, ficamos em dúvida se devemos pagar propinas, investir na pós graduação dos nossos filhos, ou arranjar um bom factor C. Por enquanto, o Factor C tem mostrado-se mais eficaz. Apostem nisso.


Rakel.

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