Eternidade



Daquelas pequenas coisas que não são essenciais mas que me fazem falta, é ter um bocado de espaço para cultivar plantas que agora, passam mais pelo vaso de alface ou alho francês do que flores. Já tive um terraço onde, com cuidado e empenho cresciam roseiras, avencas, fetos, hortências, e as flores de época. Cheguei a ter um pinheiro em vaso que chegou aos 2 metros e meio; mas o que realmente eu gostava era de ciclo de semear ou plantar e ver aos poucos e poucos surgir, florescer e depois todo aquele colorido e perfume. Serviram também, em um certo momento, para explicar aos meus filhos pequenos o ciclo de vida. Nascer, viver e morrer.

De acordo com as minhas crenças e aproveitando as flores de bulbo, explicava aos catraios que da mesma forma que todos os anos as tulipas, narcisos, jacintos, frésias e crocus, nasciam, cresciam e morriam para novamente voltar a crescer, as pessoas retornavam novamente para uma nova vida depois de terem completado o ciclo de vida. Felizmente, e por viver numa cidade sem poluição, as abelhas faziam o seu trabalho de polinização e nunca nasciam as flores com as mesmas cores. E isso servia também para explicar que quando voltamos numa nova vida, somos diferentes para ter experiências diferentes. Mas explicava também que, se eu não regasse, tirasse os pulgões e não desse adubo, provavelmente esses bulbos não floresceriam e acabariam por secar e nunca mais renascer.

Tudo que é vivo precisa de cuidados; uns mais simples que outros, mas no fim das contas é necessário cuidado e atenção. Nessa época em que eu andava de lanterna  a cata das lesmas (essas gajas só saem de noite e estive vai não vai a adquirir um ouriço caixeiro, inimigo natural delas) que devoravam os rebentos frescos e a pesquisar insecticidas ecológicos, foi também a altura em que eu pesquisei alguns significados das flores.

Interessante perceber que a rosa, no âmbito popular, é tida como a flor que significa amor, sendo a vermelha aquela que se diz a que demonstra amor e paixão. No entanto, descobri que em algumas épocas e lugares do mundo, as tulipas vermelhas significavam o amor eterno. Até faz algum sentindo; quem costuma plantar esta flor sabe que, se for em floreiras, que depois da floração e quando já foi cortada, basta deixar a terra secar e colocar a floreira num lugar escuro e seco até a chegada do Inverno, altura em que colocamos de novo ao ar livre, regando e fazendo os cuidados necessários para que volte a crescer e florescer e completando o ciclo com esse "adormecimento" na terra. O ciclo pode ser continuado até dar-se o caso do bulbo dividir-se e, com sorte, já teremos mais um pé na Primavera.

O paralelo é inevitável em todas as coisas vivas, que estimamos e que queremos alongar pela eternidade; às vezes temos a sorte de encontrarmos a pessoa que sabe como tratar da nossa tulipa que bate no peito. Cuidam, são atentos e não tomam por garantido o florescimento só por ser a "obrigação" ou o fim que foi feito essa flor. Outras acham que , sendo uma planta e por isso já sabe a sua obrigação, deixa ao abandono esperando que depois nasça viçosa e forte. Muita gente acha que tem azar com as plantas de casa, quando na verdade, nem sabe bem como tratá-las. Uns afogam-nas com água e vão apodrecendo as raízes e bulbos; outras acham que a fotossíntese funciona por si mesma e de longe em longe mandam umas gotas d'água e é quanto baste. O resto é deixar nas mãos da natureza. Conheço gente que consegue matar cactos a sede.

A natureza revela que quando a vida não é possível, as plantas defendem-se adormecendo no solo; assim que cai uma chuva ou que o sol começa a dar o ar da sua graça, elas florescem rapidamente e completam também muito depressa o ciclo, pois sabem que esse tempo bom vai durar pouco.

É aliciante pensar que existam coisas que são eternas, é realmente sedutor pensar que hajam pessoas e sentimentos que atravessem épocas, guerras e desencontros mas que no fim estão ainda ligadas. Os asiáticos falam do cordão vermelho, um tipo de mito, que liga duas pessoas pelos dedos mindinhos. Quando os sentimentos são tão fortes e imediatos, quase como um reconhecimento, dizem que estão ligados pelo fio vermelho que só eles sabem que existe. É uma maneira de dizer que estão ligados mesmo quando a distância é grande.



Eu não ponho isso em dúvida; o que eu coloco em dúvida é a maneira como as pessoas esperam que isso funcione. Os mais românticos poderão até ficar abespinhados, um tipo de Heathcliff* dos tempos modernos, e dizer que as pessoas não sabem amar, que bom mesmo era nos tempos que as pessoas lutavam anos e anos por esse amor quase impossível, um tipo de Bergerac que só no raiar da morte dá-se a conhecer à amada Roxane. Não vou sequer defender a causa de que amar, sendo um sentimento bom, nunca deveria ser vivido em sofrimento; retira todo o significado e acaba como esses personagens tão românticos. Morto e mal vivido.

Vou apenas dizer, que para todos os efeitos, não devemos tomar nada por garantido; hoje estou aqui para escrever este post sobre a eternidade. Amanhã, um caminhão carregado de abóboras pode perder os travões e me atropelar; ou um cocó congelado a cair de um avião (às vezes fecham mal o canal de descarga destes presentes), pode cair na minha cabeça e me matar ali, sem mais nem menos. Por isso, é preciso cuidar bem hoje do que gostamos; é preciso que sinta essa vontade, empenho e que não hajam dúvidas daquilo que pretende plantar. Colhemos o que plantamos e mesmo quando nos dedicamos de corpo e alma nisso, não há garantias de sucesso.

Falo por mim que já desisti de plantar maracujás e brincos de princesa...

Rakel

* personagem do livro Monte dos Vendavais de Emily Bronte. Heathcliff é o símbolo do herói romântico do século XIX. O superlativo do homem apaixonado que, quando trocado por outro, simplesmente detona a vida de toda gente e a dele mesmo. Vendo assim por uma óptica pragmática, é um tipo que foi contrariado nas suas intenções e transformou um sentimento numa obsessão. Não podia acabar bem, ne?

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