Sinal De Protesto



Apercebo-me que vivo num país pacato quando as grandes discussões sociais e que geram comoção são uma árvore que cai, ferindo e matando gente em plena comunhão com o altíssimo (e aí uma pessoa pergunta-se se ele, na sua majestosa omnipotência, ficou a ver e sem intervir, fazendo com se tirem inúmeras ilações)  e quando uma editora lança uns livritos de actividades para crianças, que destacadamente colocam as meninas como atrofiadas dos neurónios.

Neste país onde vivo, pacato e de brandos costumes, não sendo perfeito, pois nada o é, mesmo assim agiganta-se ao ponto do governo implicar com isso e pedir à editora que retire os tais livritos. Até naquele jornal, que é uma mistura do Incrível, Maria e Caras apareceu uma crónica dum senhor que dizia que, facto comprovado, há trabalho de homens (isso do assentar tijolo e mandar piropo dos andaimes e coisas que tais) e de mulheres (florista ou balconista) e que não queiram agora transformar todas as criancinhas em hermafroditas. Uma opinião sempre vale o que vale, e cretinos é coisa que não falta neste mundinho velho e sem porteira.

Então, depois de ler a crónica desse senhor, que certamente deve ser amigo da Cristas e do da Câmara, que vive ainda nos ideais do século XIX e que abomina aquele tal do sufragismo (mulher não tem capacidade e massa cinzenta para votar, certo?), e que confunde massa muscular com capacidade mental, debita o seu parecer publicamente; a sério, dá-me pena o tempo e o disparate publicado, mas tudo bem. Ainda não vivemos num regime estilo Coreia do Norte e podemos escolher não comprar esses livritos de actividades e seguir com as nossas pacatas vidas. Palavra de honra que me chateia mais o acordo ortográfico que só este país de agachados decidiu implementar, do que uns livrecos de férias.

Mas ôôôô tanta polémica com bandeiras hasteadas para guerra, com essa multidão de aldeões de forquilha e tocha em riste querendo e clamando justiça. Enquanto isso, em lume brando vai ardendo o que sobra nesse negócio que é a "época de fogos" que estamos sendo, em doses homeopáticas, habituados a aceitar e a achar normal. Isso, definitivamente ganha dimensão nas redes sociais com as fotos e espalhando likes para os bombeiros, quando deveria ser feita uma investigação profunda do que realmente acontece e de todos que ganham com este negócio feito de fumo e aviões alugados. Mas tudo bem, os livritos é que são graves.

Tanta gente indignada e eu com tanta roupa para passar em sem ponta de vontade; e tanto que poderia-se fazer num intercâmbio entre energias mal dirigidas e a minha verdadeira intolerância ao ferro de passar no verão, e teríamos o mundo ainda mais perfeito e pacato.

As pessoas gostam de achar problemas onde não existem. Prova disso, são os médicos. O que me calhou agora, pelo menos assim é; parece compelido a achar inúmeros problemas quando eu, modestamente, fui falar de um só. Cada pergunta que eu respondia era mais uma folha a sair da impressora e chegou ao ponto em que já colocava em causa se havia ou não de responder mais alguma. Tenho ali um portefólio cheio para resolver, e parece-me melhor começar a ingerir mais líquidos para compensar tamanha extracção de fluídos exigidos para análise.

Talvez, quem sabe, o povo comece a implicar, neste país pacato e sossegado, com o designe dos papo-secos ou que os chouriços devem ser só em forma de U. Dessas coisas que realmente importam e podem mudar por completo a nossa vida. Quem sabe, esse senhor ao qual não dou nome para não dar tempo de antena, resolva indignar-se com a forma anti-tradicional como são tratados os chouriços e faça outra bela crónica. Outra que me faça rir tanto como esta última.

...há tanta falta de tragédia, que inventam-nas à pressão...


Rakel.







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