Nada Nesta Mão, Nada Na Outra - Os Ilusionistas



Desculpem o cinismo, ou não desculpem de todo, tanto me faz; mas parece-me que é fácil de enganar as pessoas e mais rapidamente desde que a internet  se tornou algo banal e acessível. Qualquer pessoa pode escrever e publicar qualquer coisa que dê na real gana e fazer disso um sucesso viral.

Há realmente coisas que complicam o meu cérebro, e desculpem lá o mau jeito, ou não desculpem nada, sintam-se ofendidos à vontadinha; mas desconfio sempre das coisas demasiado perfeitas ou ideais. Última ilusão viral é baseada numa sessão fotográfica, e passo a citar, "de um casal idoso mostrando que o amor pode durar uma eternidade". Em causa, o casal "idoso" é Sergei com 45,(e agora fico aqui a me matar a rir a imaginar todas as pessoas que conheço na casa dos 40 e que passam de cotas à fósseis num piscar de olhos pela perspectiva torta de umas deslumbradas) e Valentina de 63. As pessoas que postaram isso, além de colocar como idoso alguém na casa dos 40 (afinal, os 40 não são os novos vinte??) ainda por cima supõe que o casal esteve sempre junto.

Não há cá história rocambolesca pelo meio nem nada, o casal começou há muito, isto na opinião pouco estudada de quem publicou e agora, de cabelos brancos e rugas, professam o seu amor publicamente numa sessão fotográfica de fazer enternecer o coração mais duro, preto e peludo. O meu certamente, além de ser isso tudo veio de fábrica com um desconfiómetro afinado, nem descompassou. Desconfiou, duvidou e foi pesquisar um bocado.

No final das contas, nem eles são um verdadeiro casal, nem fizeram esse ensaio fotográfico para mostrar que "amor não tem idade e nunca envelhece". Ambos fazem parte de agências de modelos e a sessão fotográfica nada teve de romântico, mas sim muito de mercenarismo: a venda de uma imagem. A fotógrafa já veio a publico desmentir a situação...mas de pouco vale quando o que se espalha e tem mais força é aquilo que as pessoas precisam ou querem acreditar. E isso, pensem o que pensarem do meu cinismo, tanto me faz, é das coisas que mais me causa admiração e consternação. A capacidade que as pessoas tem de gostarem ou precisarem de uma boa dose de ilusão, mesmo que tudo tenha sido cuidadosamente coreografado e não haja nada de espontâneo. Parece que os crescidos precisam de um substituto do Pai Natal afinal das contas; de outra Fada do Dentinho ou Coelhinho da Páscoa.

Os modelos "Sergei e Valentina"
De facto, parece que proporcionalmente ao tamanho da informação disponível acabe por ser
equivalente ao fluxo abundante de ilusões e boatos. Ter como garantido que haja, num qualquer ponto do mundo alguém que alcance a perfeição de um relacionamento duradouro, de um sucesso que pensam que é tipo sopa instantânea, que é só juntar água e Banzai! é sem dúvida uma das maiores ilusões. Por um lado, desejam uma estória ao estilo conto de fadas e que termine com um "felizes para sempre" ao mesmo tempo que pretendem gastar o mínimo de energia e empenho na concretização desse projecto de vida. E há muita gente que encara a vida de casal como um projecto de vida.

Um projecto implica planos, um ponto de partida, um caminho e meta. Mas como vem sendo provado há mais de 30 anos, todos os grandes planos, no caso os do Cebolinha, acabam com ele levando uma surra da Mônica e nada de conseguir vencer "a menina mais folte do mundo". Plano fica bonito no papel, na apresentação perante aos superiores num Power Point todo catita, mas...

...é, tem um mas...

Há aquela coisa chamada de imprevisto que é impossível de antecipar.

Então colocando o motorzinho do cinismo em 5ª velocidade e deixando ir comendo caminho: supondo de que um lado há um estratega que pensa até ao mínimo detalhe de um grande plano que visa colocar a fasquia o mais alto possível, do tipo de precisar de dois banquinhos e mais um escadote para alcançar, há na outra ponta aquilo que chamamos o simplista e que vai levando a vida um dia de cada vez e que tem uma certa repugnância por tanto plano traçado, altos objectivos e está-se nas tintas para perfeições. Em suma, o estratega perde tanto tempo em fazer o plano perfeito, o lugar perfeito e faz nascer, de uma foto que nem é algo baseado numa realidade, a história perfeita como meta, que esquece que a outra pessoa vai vivendo o dia a dia e vai aborrecendo-se ao perceber, que o plano perfeito nunca vai estar acabado.

Então, aguentem-se à bomboca: sabendo que cada qual dá o que tem e o que quer dar, e que outros comem tudo aquilo que alimente as ilusões mais perfeitas e enternecedoras...

...há pessoas como eu que matam unicórnios cor de rosa e queimam os arco íris cheios de purpurina. E passes de mágica e ilusionistas já são artes de circo que não me seduzem nem convencem. Next!



Rakel.

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