Pollyanna é aquela menina do livro de Eleanor H. Porter, sobre uma menina que estava sempre feliz e a ver o lado melhor da vida. O síndrome de Pollyanna é aquela coisa meio abestada de não permitir processos naturais de decepção, ira, luto que uma pessoa precisa para expurgar os revezes da vida.
O mundo nos obriga a ser positivos, ter grandes expectativas porque, dizem, aquilo que enviamos ao Universo recebemos em troca o mesmo. Parece que neste mundo de ofendidos e indignados por tudo e mais um par de botas, que uma pessoa tenha que sorrir sempre, estar sempre feliz para funcionar essa lei de tracção de "coisas boas". Há os profetas dessa teoria que avançam para mais ainda: tu atrais aquilo que és. Vendem livros com títulos sugestivos e místicos, nos alertando para esse exercício salutar de ser uma potencial Pollyanna e ganhar do Universo, no devido tempo*, as coisas boas e "tudo e tudo" fixe. Parece que a sociedade nos obriga, mesmo contra todas as hipóteses a ter um sorriso no rosto e afirmar, para atrair boas energias, que somos felizes.
Digam isso à uma pessoa que foi tratar de assuntos em qualquer instituição, que tira uma senha para ser atendido com 120 pessoas à sua frente e que, passadas 5 horas perdidas, entre criar varizes e perder o domínio dessa beática paz interior, a ter que voltar no dia seguinte com apenas 60 pessoas a sua frente no atendimento. Ou logo de manhã topar com o dedo do pé num móvel, não xingar pois isso é negativo, ir para cozinha e por acidente cai uma tampa de panela nesse mesmo dedo ainda a latejar da topada de há 5 minutos. Temos que ver o lado positivo, pois não há duas sem três, certo?
Morre o pai numa semana, na seguinte a avó e o cão é atropelado tendo que ser eutanasiado pois não havia nada que fazer...vamos ser positivos e deixar-nos dessas merdas de luto e depressão.
Positivismo e negativismo tem limites e não podem ser vistos como uma condenação perpétua ou uma condição de vida escolhida. São variáveis, momentos em que nos sentimos lá em cima ou muito, muito em baixo. E essas variáveis são o resultado das nossas expectativas quanto aos planos que traçamos e colocamos em prática. Ninguém, no seu são juízo, vai planear seja o que for sem antes contar com uma certa dose de expectativa. Uma pessoa que tem trabalho, que faz o seu melhor dentro de uma empresa, que investe o seu tempo e energia nisso, não tem como expectativa acabar no desemprego. A expectativa é ver reconhecido o seu esforço e dedicação, as suas capacidades e a sua continuidade dentro do plano. E por muito positivo que uma pessoa pense, por mais que abra os braços e fale com o Universo, jogando toda a sua energia positiva e falando com o grande pai criador, num tipo de comportamento infantil de "olha para mim papá, olha como eu sou boa e me porto tão bem!" a vida tem as suas próprias linhas de trajecto, que não escolhemos e nem queremos.
O positivismo, na sua essência, é pensar sempre sobre o bem o bom e o melhor lado da vida. Tudo vai dar certo, pois há uma porta, janela, postigo ou até pelo buraco da fechadura , que se abrirá diante de nós, a seu tempo*, trazendo a recompensa aos que tem fé no positivismo.
O negativismo é a nossa birra militante de que nada vai dar certo, pois faz parte da natureza humana não só a falha como a incapacidade de fazer alguma coisa correctamente. Estamos condenados e ponto final, não há argumento possível que rebata ou que tente fazer ver que para toda regra há excepções. Por natural oposição, somente atrai coisas ruins para a nossa vida.
Entre estas duas hipóteses de escolhas de como encarar a vida, há agora o chamado falso positivismo, que segundo parece, é cria do positivismo e que faz mais estragos que o negativismo. Toda gente diz que, uma pessoa perante uma doença grave, se tiver uma atitude positiva, consegue melhorar ou até ultrapassar essa condição. Tendo isso como base, obviamente a pessoa liga o motorzinho no positivismo, engata a primeira e pisa no acelerador, chegando aos 100kms/h em 3 segundos. O que os psicólogos e terapeutas agora expõem, é que a condição de camuflar a gravidade de uma doença, açucarando as coisas com positivismo, sem dar ao paciente a visão analítica e racional de que É UMA DOENÇA GRAVE, que vai correr riscos, vai ter muitos, mas muito maus momentos, é defraudar a confiança do doente. É falso positivismo. A expectativa é lá em cima no 1000+, mas cada corpo e pessoa reagem de formas diferentes às doenças, tem os seus próprios limites de combate. Ver perder essa batalha, depois de tanto esforço em ser uma Pollyanna, sorrir e dizer-se feliz, apesar de tudo e crer em deus e mais um par de botas de energias universais compensatórias, afunda-se não no negativismo, mas sim,na decepção total, pura e simples da sua fé, e em si mesmo. É sentir-se como um cocó mumificado. Um derrotado.
Entre a linha do positivismo puro e o negavismo militante há essa linha elástica que se chama, fazer e viver o melhor possível. Essa linha, e dentro de uma vida livre e democrática, deveria permitir-me estar contente e feliz quando realmente me sinto feliz e contente ou então, permitir-me estar triste e raivosa com as minhas decepções, quando me sinto triste e decepcionada. Não é com placebo feliz e positivo que o sorriso chega ao olhos e seja autêntico. É quando as coisas acontecem realmente.
Façam o favor de deixar que se faça luto, que fiquemos irados, irritados, embirrados e desiludidos; afinal das contas, aprendemos muito mais com esses tabefes da vida, do que andar apardaladamente a alardear uma alegria feita de óculos de lentes cor de rosa, intoxicada por livros de auto ajuda e por conferências de falsos profetas. Sejam autenticos.
* a seu tempo é uma faca de dois gumes: se uma pessoa quer já e agora que as coisas se resolvam, ouvimos que tudo vem ao seu tempo. Se por acaso vai levando a sua vida dentro das expectativas normais e mesmo assim correm mal, aí dizem que é a burrice de não saber exercitar o positivismo e não saber fazer boas apostas. O "ao seu tempo" é mais ou menos como ganhar tempo quando nem se sabe ao certo se algo vai ou não acontecer. Se não acontece, é porque somos negativistas. :)
Rakel.
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