Pedir desculpas quando percebemos que estamos errados ou fazemos algo errado é uma forma de mostrarmos a nossa maturidade. Não é pelo facto de que chegamos ao mundo da consciência adulta que deixamos de cometer erros; somos falíveis e até mesmo com as melhores das intenções, cometemos erros. Até aí, tudo bem.
Uma coisa é assumir um erro cometido e desculpar-se outra bem diferente é desculpar-nos por terceiros, por gerações anteriores à nossa e que tomaram decisões ou acções quando ainda nem os nossos bisavós tinham nascido. Há no entanto mais uma leva de ofendidos que, em discurso que parece o "fala o nu do roto", a dizer quem deve pedir desculpas por coisas das quais nem tem noção. Falta de leitura, não de páginas duvidosas na Internet, mas de livros, história, falta de pesquisa e falta de olhar para o próprio país e dos erros cometidos.
Isto vem à baila sobre historiadores americanos que vem a público exigir que Portugal peça desculpas pela escravatura. Repito, Historiadores, Americanos, Escravatura. Os comentários que surgem após esta publicação são no mínimo alarmantes, já que nota-se de longe, que sabem mal e porcamente de história e da própria, como no caso desses senhores.
Então sobre a escravatura:
O solo de Antietam, no Maryland está saturado de sangue derramado na primeira batalha da guerra civil mais idiota da face da terra, Um país que hoje clama para si como bastião da igualdade (embora fosse o penúltimo a abolir a segregação racial; lembram das escolas e autocarros divididos?) viu-se perante a divisão entre abolicionistas e os pró-escravatura.
Por outro lado, Portugal foi o segundo país do mundo a abolir a escravatura; na altura, no então governo do Marquês de Pombal, ficou claro que o país demarcaria-se pelo avanço social e político.
Foi o primeiro país do mundo a abolir a pena de morte em todos os crimes, recebendo inclusive uma carta elogiosa do escritor Victor Hugo.
No entanto, o país desses historiadores decidiu lutar, com unhas e dentes, pelo direito de não só continuar a traficar como a escravizar pessoas e os filhos destes escravos. Mas esta guerra não foi o único genocídio perpetrado pela nação farol da democracia. Falemos dos índios também. Milhões de pessoas e culturas foram dizimadas pelos americanos que ainda hoje os empurram para territórios esconsos e ainda por cima, fazendo pressões para que as condições de vida deles sejam cada vez piores. O caso dos oleodutos e extracção de petróleo que agora no governo do Sr. Laranja vai avançar. Falemos de homens e mulheres, que na santa ignorância ainda foram acusados de bruxaria a acabaram mortos. Salem, lembram-se? Desculpas, onde?
Falemos dos campos de concentração para japoneses durante a Segunda Guerra (não esquecendo, que o Brasil marionete na altura, também teve um campo desses) ou o actual campo de concentração de Guatánamo e de todos os filmes que passaram na Internet do modo como a Convenção de Genebra foi mandada às urtigas. Um dos maiores actos de assassinato ao povo americano e que ainda não há da parte dos sucessivos governos qualquer senso de responsabilidade, quer no apoio dos veteranos, quer de um pedido de desculpas formal e público, foi a guerra do Vietnam. Milhões de jovens que foram obrigados a ir para uma guerra que não escolheram e nem chegaram perto de uma vitória. Pedir desculpas à todos os actuais cidadãos do Vietnam pela destruição e pela inúmeras violações. Já agora, a maior parte dos sem abrigo, dos que vivem nas ruas actualmente, são veteranos da Guerra do Golfo, do Iraque e que o sistema milagroso e perfeito americano ainda não tem solução palpável e eficaz. Isso pode-se considerar crime contra a nação.
Falemos das Filipinas e da época que os americanos "governaram" esse país e vejam, pesquisem e leiam sobre o "amor" e "boas lembranças" que o povo filipino tem desse período.
Enquanto que Portugal, com os problemas internos normais dos quais a política é a grande causa, mesmo assim, na sua história passada e recente, consegue ser menos manchada que toda a baderna que foi feita e continua ainda hoje pelas escolhas políticas americanas. E até hoje, pedidos de desculpas dos americanos são escassos ou a inexistência deles, justificadas pelos efeitos colaterais das guerras e conflitos.
O que me espanta terrivelmente, é o caso de historiadores a verbalizar algo que na própria nação que vivem não exercita o acto de Mea Culpa. Talvez esses senhores, como tantos outros nacionais desse território, ainda pensem que Portugal é um província espanhola e desconhece o Império que foi e com quase mil anos de história como Nação independente. Sem contar com a época dos lusitanos e de como resistimos 200 anos contra os poderosos romanos.
Um pedido de desculpas agora, por coisas que aconteceram há que tempos, não vai ressuscitar mortos nem aliviar o peso de ninguém. Apenas é uma imagem de marketing polida para passar de país evoluído. No caso, o Papa a pedir desculpas pelos actos de Inquisição não faz mudar nada no mundo. Ou pedir desculpas pela pedofilia. Ainda hoje aparecem pessoas a delatar os abusos sexuais dos padres e demais confraria e isso...não resolve nada. Mas se realmente quererem passar uma imagem de farol de liberdade e democracia, mesmo que tarde, acabem com a pena de morte. E me pergunto, quantos inocentes durante a história criminal americana não foram mortos pela pena capital apenas por estar no lugar errado e na hora errada...ou com a cor de pele errada?
Um pedido de desculpas vem da consciência de que algo está errado ou foi mal feito; é ao mesmo tempo a constatação de que não somos perfeitos e não fazemos tudo certo apesar da nossa posição de poder. E para muita gente, pedir desculpas é uma forma de mostrar que é falível, que não é o rei da cocada preta. Mas antes de apontar dedos seja a quem for, olhe primeiro o lixo que tem debaixo do vosso tapete há séculos. Isso sim é trabalho bem feito. O resto, são os tais quinze minutos de fama a parecer que percebem das coisas...mesmo sem perceber.
Rakel.
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