Parado no Tempo ou O Que Não Envelhece



Começo com o senhor Buddha, que era um tipo com pensamentos interessantes, curtos e directos ao assunto.

Se há coisa que as culturas asiáticas dão importância é a estética; seja nos pratos culinários, seja no modo como fazem a olaria ou a arte pictórica em si, a estética sempre foi um valor não só cultuado como passado de geração em geração. Por muito simples que seja um bento (no Japão é a marmita) vem sempre apelativo aos olhos de quem vai comê-lo.

Por isso, não será descabido pensar que as coisas que são consideradas belas possam ser preservadas e paradas no tempo para que a contemplação dessa beleza seja tão eterna quanto àqueles que a possuem. Umas das prendas mais significativas a dar à alguém, nesse caso como presente romântico, será a flor preservada. O tratamento que a flor recebe e todo o arranjo em si, como a caixa onde vai, simboliza os sentimentos que se desejam que sejam eternos.

Um típico presente de casamento na China: flor preservada em ovo de porcelana

Então, lá temos uma rosa perfeita, preservada perfeitamente, com a floração na altura certa, colhida no momento exacto e com as pétalas sem qualquer mácula, numa caixinha de vidro. Bela, eterna (se tiverem o cuidado mínimo) e sempre perfeita.

Só tem um pequeno problema, ela morreu no momento que resolveram pará-la no tempo. Pode ter a estética perfeita, pois nunca perdeu uma única pétala, nem foi atacada pelos insectos ou nem perdeu a cor. Mas definitivamente, está morta. Não percorreu os ciclos naturais, não conhece a luz do sol ou pingou o orvalho da noite. Desconhece o beijo da borboleta ou da abelha, não exala perfume nem ataca com espinhos. Morreu no momento que decidiram por ela não ser mais do que uma perfeição congelada. E há paralelo naquilo que escusamos de experimentar ou viver



Certamente isso será cómodo para muitas pessoas que tem pouca paciência ou vontade de ter e se dar ao trabalho de ver o viço passar, dos espinhos machucarem, das pétalas caírem e a flor deixar de ser "aquela" perfeição inicial. Tentar dominar ciclos de vida e experiências é fazer batota, em nome de uma estática pessoal. Era como fazia a minha mãe com os meus brinquedos: guardava-os para que eu não estragasse e durassem mais tempo. E houve tantos com que nunca brinquei em nome dessa preservação para o tempo ideal; e quando já era mais velha...não tinham qualquer graça para mim. Há brinquedos (serviços de chá e afins) que passaram para a minha irmã e agora à minha sobrinha, que nunca desfrutei.

No entanto, embora haja quem tente evitar que algo se estrague por antecipação, nem sequer há garantia que dure tanto quanto uma flor embalsamada e muito perfeitinha.  O vidro quebra, um encontrão e... ups! lá ficou tudo esfanicado. E nem teve o prazer de ter pelo menos sentido o aroma dela, nem a sua textura aveludada, nem sequer guardou uma delas entre as folhas de um livro, virando memória, já que tudo ficou limitado à essa bolha preventiva de estragos.

E falando a verdade, tudo que é vivo merece a chance de seguir o ciclo, seja ele longo ou curto; mesmo que tudo se resuma ao mais simples acto contemplativo de apenas apreciar o momento em si, do que essa eternidade fabricada e anti-natural.

Longe de mim querer dar uma de Buddha, mas...

O tempo, a hora exacta das coisas, ninguém sabe qual é. Se o momento surge, que seja vivido. Se o arrependimento surgir, redima-se; se for uma boa memória, guarde-a bem. Se for o maior do erros, aprenda com ele, mas se for a melhor coisa que já lhe aconteceu...saiba dar valor e nunca esquecer.
Senão, fica tudo resumido aos meus brinquedos guardados para que não se estragassem, deixam de ter graça.

O tempo, ninguém controla, ninguém detém o avanço ou retrocesso; e ele caminha sem dar cúnfia e está-se nas tintas para as perfeições congeladas, do que nunca aconteceu e do que nunca envelhece...pois já morreu. ficou lá atrás.


Rakel.


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