O Agora



Não sei a razão exacta; desconheço a intenção real de cada pessoa que vem à este espaço. No entanto, aquilo que fica realmente demarcado é a quantidade de pessoas que vem aqui para por causa do post sobre vidas passadas. É o mais lido desde que me propus a fazer este blog, e já lá vão sete anos, estando em primeiro lugar desde sempre. Em terceiro, vem o post do rei que vai nu, e mais uma vez, desconheço as razões e motivações para que venham sempre aqui por esses dois posts.

No entanto, não deixa de ter a sua graça perceber que mesmo duvidando as pessoas tem uma certa curiosidade sobre o tema. Pragmaticamente muitos acreditam que quando uma pessoa morre é fim de jogo e passamos a ser pasto para minhocas. Não há nada além disso, não há cá outras vidas e tudo é uma fantochada do caneco. Outras preferem pensar que dentro da mesmice que lhe calhou na vida, seria interessante saber se foi alguém notável ou se fez algo de importante na vida. Outros necessitam mesmo de uma razão para levantar da cama, e nem que seja acreditando em tarólogos (que sugam-lhes até ao último cêntimo)  e afins, que pelo menos tenham a possibilidade de terem sido Cleópatra ou Lancelot. E sim, como disse a Catekista na altura, ninguém quer ser Hitler ou Jack Estripador.  A coisa tem que ter brilho para dar valor. Para virar certeza.

As questões de alma são um caso bicudo e de difícil solução; todas as grandes religiões abraâmicas (monoteístas), as espiritualistas, as diferentes politeístas, enfim no conjunto de filosofias e religiões, acreditam que exista esse algo que nos impele, que nos atrai ou repele entre situações e pessoas. Chamam de alma, energia ou esse tal do Eu. No caso o budismo arrasa logo com as três coisas que mais bagunçam a nossa vida: o Eu, o Ego e a Alma. No entanto acreditam nessa "substância imutável" que percorre vida por vida, mudando de casca mas nunca de conteúdo. O que no caso vai dar no mesmo, embora a questão do Eu e Ego seja sem dúvida uma das nossas maiores controvérsias. O que somos, para quê viemos, qual o nosso destino. As grandes perguntas da humanidade, sem grandes respostas e muita perda de tempo.

Francamente, depois do abalo sísmico de fé que passei, estas questões encontram-se muito mais perto do lado racional e analítico do que propriamente da crença, e dessa cenoura amarrada no fio, chamada esperança. Aquilo que nos vem trazendo por tradição sobre deus, justiça e positividade está jogado num tipo de purgatório que construí. E vai ficar por lá uns tempos até que eu consiga entender alguma coisa.

E se há coisa mais demolidora no mundo é o pragmatismo ou a contemplação a analítica: no que os poetas descrevem da chuva, do perfume da terra molhada, vem os cientistas e dizem que tudo isso é por causa de uma bactéria que aparece depois da chuvas a dar esse odor de "verde e fresco". Lá vai a poesia às urtigas, as descrições coloridas, umas vezes de exaltação, outras de tristeza profunda, a ser reduzida na realidade da condição de uma bactéria. Pode não nos chegar a alma, mas não deixa de ser verdade; e como toda gente sabe, a verdade nem sempre se veste de belas roupas.  Mas parece que a ciência não descarta completamente a questão da substãncia imutável que renasce: um cientista quântico já afirmou na "forte possibilidade" de vida depois da vida. Nada se perde, tudo se transforma, lembram-se?

No entanto, as coisas da alma fazem parte do dia a dia e das formas como descrevemos pessoas e situações; alma gémea, dor d'alma, chegar-lhe à alma, desalmado, boa alma, viv'alma e por aí vai. A história da alma gémea será sem dúvida aquela que usamos com mais frequência, na tentativa de encontrar essa pessoa que não achamos na multidão deste mundinho abarrotado de gente. Há inequivocamente uma força que nos impele a tentar encontrar o receptor de todas as nossas comunicações, lampejos brilhantes, que assista a nossa mais estrondosa argolada e esteja lá para nos dar o apoio; que entenda as birras e suplante esse pavor de ver alguém chorando como um chafariz e sem saber o que fazer ou dizer. Toda gente procura e espera por isso. Por mais esforço que se faça para isolar-se do mundo, diferenciando-se dos demais ou depreciando toda gente, colocando-se numa casta superior, mesmo assim, de raiz somos todos gregários. Tendemos a agrupar-nos não só pela sobrevivência física como emocional. E nessa procura, nem sempre saímos bem.

 Daí a pergunta: para que raios quero saber o passado quando o presente já nos deixa de mãos cheias? Se já é esta complicação toda de ter que lidar com desalmados ou almas sensíveis e com dores de alma?

Talvez a questão do castigo karmático justifica em grande parte os azares presentes. Quando não se justifica essa maré de falta de sorte e consecutivos falhanços, recorre-se ao castigo de vidas passadas para conseguir uma certa compreensão do presente. Quer dizer, qual a lógica? Não há lógica nisso, no fundo estamos a mercê das contingências da vida. E por muito que se remexa no passado, encontrando ou não ilustres figuras, na verdade a gente vive o hoje, no agora. Caderno em branco e com muitas folhas para encher. A questão nem é saber se realmente é ou não possível a alma ou essa "substância imutável" existir ou não. O que realmente interessa é viver o hoje, que é a nossa única meia certeza. Digo meia, pois nem sequer temos a garantia de conseguir chegar até ao fim de um dia, mesmo quando tomamos tudo por garantido.

Ao ter consciência do quão  frágil é a nossa existência, do quanto perdemos tempo entre medos e hipóteses, o agora torna-se mais importante do que tudo. E bem podem, as almas sensíveis colocar os dedos nos ouvidos e a cantar "lá-lá-lá- não te estou a ouvir-lá- lá- lá" escapando assim das questões mais difíceis ou dolorosas.  Podem fazer isso, podem até mesmo assim continuar a demarcar-se como diferente, expectador ou até sintonizado. Tanto faz. O mundo continua a girar, continuamos a nos auto-avaliar e a questionar no que podemos melhorar.  Já tentei tirar os dedos das orelhas dessa "alma sensível" e fazê-la abrir os olhos e ouvir. Mas ela prefere cantar mais alto e fechar os olhos com mais força, vivendo nesse redemoinho de que tudo é imutável nessa previsibilidade humana. E a única coisa que uma pessoa pode fazer nesse caso, é pegar nessa condição de que chamam amar (seja ao próximo ou ao distante) é deixa-lo cantar alto, sozinho, até que se canse ou até que perceba que não vai chegar a lado nenhum. Ela, essa alma sensível, não me escuta e nem a ela mesma com a cantilena. Talvez perceba um dia, e que não seja tarde demais, que esse mantra que recita não lhe serviu de nada. Se todas as religiões e tipos de fé apregoam que o amor é a solução para todos os males do mundo, o acto de amar assim quem quer continuar surdo como um pneu e cego como uma toupeira, é a única coisa a fazer. Se até a ciência explica o amor (e se explica será por reconhecer a sua existência) como combinações químicas e neurológicas da nossa forma física, então é o caminho a seguir.

Neste momento, ainda não percebo e nem encontro justificativa na fé cega da consequência pré estabelecida (karma, destino); não percebo os movimentos cósmicos do Universo que escolhe quem beneficia ou quem é phodido. Nem percebo essa condição que nos atrai ou nos faz tomar distância de algumas pessoas. Neste momento, a única coisa que de facto faço é aceitar aquilo que é por si, que sinto e que entendo. Amofina-me o cérebro essas tentativas vãs de encontrar significados de alma, fé, amor, vida e morte, quando esquecem de viver o hoje e cada uma dessas coisas. Estudam e observam muito, mas exercitam pouco.Mas...

 Tentar vislumbrar o que fui, o que fiz antes noutras vidas...não vai justificar em nada o agora. E o agora é tudo o que tenho.


Rakel.

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