Um livrinho, que apenas leva este adjectivo pelo tamanho em si e não pela dimensão menor da obra, que se lê num fôlego e que dá que pensar: "Não tenho boca e preciso gritar" de Harlan Ellison de 1967, fala desse direito, mais ou menos, incontestável de dizer o que no passa na alma.
Tirando as descrições nojentas e grotescas do grupo de cinco humanos que restam depois das "máquinas" tomarem conta do planeta, o final é retumbante. O não poder falar, mexer-se e ser apenas uma vida pensante enclausurada numa massa sem forma. Querer gritar e não ter boca...
Não há maneira de omitir ou esquecer, que um dos pontos chave de toda sociedade democrática é o direito de livre expressão. Consagrado nas constituições da maioria dos países, o direito de exprimir e do livre pensamento é considerado um dado adquirido da vida civilizada. O problema da livre expressão será sem dúvida esses limites invisíveis que limitam o direito e esbarrando constantemente na linha da ofensa. E pensando nisso, a ofensa, nos dias que correm , com as indignações esbanjadas em todas as formas e feitios, estão cada vez mais hipócritas.
Supondo que o filtro mental anda avariado e uma pessoa decide dizer o que toda gente pensa, mas escusa de dizer (fica mal ou se ninguém diz, porque serei eu a chutar a lata?) aí a pessoa é julgada, deixa de ser herói e tudo e tudo e passa a ser persona non grata. Já me aconteceu, e para dizer a verdade, acontece muitas vezes que o filtro deixa de funcionar e sai um tipo de "o rei vai nu". E não são poucas as vezes que me dizem que pensavam o mesmo e só não diziam por... sei lá. Pensam muito, dizem quase nada, verbalizam apenas o que toda gente diz, já que assim é mais fácil de não ser apontado como "louco".
No que toca esse direito de livre expressão mas ter boca e não poder gritar ou falar, entra a responsabilidade e consequência de quem resolve chutar a lata. Houve quem já quisesse moldar a opinião pública controlando a imprensa (e faz isso sem dúvida), emburrecendo a população com um nível de educação cada vez mais baixo e sendo feito na base de passar de ano sem mérito ou tirando licenciaturas ao domingo por fax. Quanto mais embrutecido fica uma população, mais tipos como o Trump chegam ao poder.
Até podemos ter podemos provas sólidas,mas esbarraremos sempre com a consequência e a responsabilidade de chutar a lata. E nisso, as tias Alziras, cheias de fé e moral dos bons costumes, terão sempre o seu veredicto a dar. E a opinião pública, diga-se de passagem, é volúvel e facilmente influenciável.
Mas, o que me dá que pensar em muitos casos, e neste em particular, é que eu provavelmente teria dito uma coisa parecida nestes tempos de idolatria instantânea. Quando uma pessoa atinge um determinado patamar, onde antes era um perfeito anónimo, e que agora até um lenço de papel usado por essa pessoa famosa pode ser leiloado por milhentas notas, porque não dizer isso mesmo que seja em tom de piada? Pastilha elástica, mascada por gente famosa leiloada, hoje famoso e até ao dia que apareça uma outra novidade.
No caso, o que realmente me espanta, é ver tanta gente comentando sobre uma traque, que certamente Bocage faria disso versos sem fim, e não se sinta insultado de ver a quantidade de políticos que querem concorrer nas próximas eleições e tendo sido alvo de processos de corrupção.
Num golpe de sorte, parece que tudo focaliza nesse pequeno traque falado que distrai a populaça moralmente irrepreensível e desmemoriada e que depois vai votar em corruptos.
Rakel.
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