Pernas Ao Léu




Primeira vez que vi a notícia, era de um homem que na berra do calor, foi para o trabalho (num call center) com calções. Chegando então no seu posto de trabalho é informado que calções são uma violação do chamado "dress code", digamos que seja em tradução livre, aquilo que se deve vestir. Num call center, onde a actividade profissional é falar por telefone com os clientes, não percebo a inflexibilidade nesse regulamento estrito de vestir. Bom, o tipo voltou para casa, como foi sugerido pelo chefe, para trocar de roupa. Voltou ao local de trabalho com um vestido, que aliás faz parte do dress code da firma. Por acaso, enquanto ele ia a caminho, os quadros superiores da empresa abriram uma excepção para dias assim (de um calor aberrante no Reino Unido) permitindo calções que deixassem cobertos dois terços das pernas e que fossem de cor bege, azul escuro ou preto.

Quando viram-no chegar de vestido, explicaram então que podia afinal usar calções e que voltasse à casa e trocasse pelos calções, o que ele recusou e foi trabalhar num belo vestido preto com uns detalhes coloridos. Como dizia Ivone Silva naquela rábula: "com um vestido preto eu nunca me comprometo!"

Por outro lado, nas escolas do Reino Unido, onde o uniforme é regra, foi recusado aos rapazes o uso de calções apesar das temperaturas altas; eles resolveram a questão da mesma forma: usando as saias do uniforme feminino. O dress code escolar de lá inclui até mesmo o tipo de corte de cabelo ou a cor do mesmo que devem ou não usar, mais parecendo uma formatação do que uma uniformização.


Escolas diferentes e o protesto é igual
Em Estocolmo, os encalorados motoristas de uma empresa de transportes que foram proibidos de usar calções resolveram a questão com uma saia travada preta. E toda gente sabe que uma saia preta dá com tudo e mete respeito.

Motoristas encalorados 


Para falar a verdade, já li notícias de alunas lá do Reino Unido que foram impedidas de frequentar as aulas no Inverno, de gelo e neve com fartura, por usarem calças. O dress code dessas escolas estão-se nas tintas com o frio das meninas, da mesma forma que estão-se nas tintas com o calor dos rapazes.

Fui aluna, durante os meus primeiros 9 anos de estudante, de uniforme; até concordo que isso nivele classes sociais, mas eram picuinhas por causa do cinto que de vez em quando esquecia de colocar, ou se as meias cinzentas não chegavam mesmo até ao joelho e andavam mais em baixo, ao estilo soquete, com a caloraça... e no Inverno tremiam as minhas perminhas estilo caniços naquela merda de saia...pois a calça era fora de cogitação uma menina usar. Mas eu, ainda fui do tempo do jogo  Pac-Man, portanto, outros tempos que agora não se justificam.

Nós, mulheres, usamos calças, calções, saias e vestidos; o uso das calças faz parte da emancipação feminina e foi de certa forma um tipo leve de transgressão no começo do século passado; em todo caso, não vejo nenhuma razão plausível para que, com temperaturas anormais e de dias seguidos, obrigar uma pessoa a usar um determinado tipo de roupa para compor a imagem de empresa.

Se a respeitabilidade de uma pessoa ou imagem de solidez de uma empresa ficasse apenas restrito ao que se usa para vestir, todos os políticos seriam pessoas altamente respeitáveis; e é coisa que sabemos que muitos não são. Como dizia a minha avó, um jumento vestido com batina, não reza a missa.

Direi que o que mais me aflige é realmente a higiene, no caso, agora chegando o Verão, há quem acredite no efeito 24 horas dos desodorizantes e fedem por aí sem dó nem piedade de ninguém. No Inverno é por causa do frio que a catinga curte junto com perfume e a mal fadada naftalina. Obviamente que ir trabalhar não é o mesmo que uma saída à noite, e sempre há meio termo; lamentavelmente ainda dá-se demasiada importância à imagem do engravatado ou da senhora em fato duas peças para ter cunho de respeitabilidade ou até mesmo de competência. E não é assim.

Mas meus senhores, da mesma forma que as mulheres defenderam e conquistaram o direito de usar calças e calções sem que isso fosse motivo de punição ou exclusão social, usem desse mesmo direito de refrescarem-se um pouco com calções, e se for preciso, apelem aos kilts. Se continuarmos a ter temperaturas destas com frequência, não sei a razão pela qual não hajam mais estilistas e gente da moda do consumo rápido a favorecer ambas opções.

Sapatos apertados, uma pessoa enxofrada numa roupa que não faz sentido com 40º, não me parece que vá render nada no trabalho. Ainda há pouco li um relatório sobre o uso do sutiã que, além de não ser uma garantia que as meninas desafiem a lei da gravidade, pode ser um dos factores do aumento de lesões nos seios que posteriormente desenvolvem em cancro da mana. Aqueles arames que fazem as devidas elevações e ajuntamentos machucam, são desconfortáveis e apertam o que deveriam ser como os golfinhos: livres e saltitantes!!! Roupa e sapatos, em princípio deveria ser artigos de uso confortável, para nos aquecer ou refrescar. E se há tanta gente empenhada em boxer de renda para os homens, tirem os calções (salve seja) desse cantinho marginal de diversão e que seja uma opção no dress code.

E quem já esteve numa repartição de Finanças apinhada e com o ar condicionado avariado, sabe a desgraça que é esperar ser atendido no meio de tantos calores e odores, imaginem lá então quem trabalha, a suar as estoupinhas e ainda por cima ouvindo mundos e fundos de quem se sente lesado. Não é fácil.

Vamos lá colocar essas pernas larocas ao léu e a ter a mesma respeitabilidade do senhor que é uma besta, mas como usa fato e gravata vira um senhor doutor.


E bom Verão!!!






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