Fiando, Dando Nós e Cortando O Fio Da Vida


As Parcas: fiando, dando nós e cortando o Destino dos mortais.




Pensando no assunto, uma pessoa pode deixar-se influenciar pelo velho hábito de encontrar um culpado quando as coisas não correm bem; ele é a Inveja de algum merdoso, ele é o Azar que bate à porta, ele é a Lei de Murphy, ele é o Karma ou então o inexorável Destino. E quando estamos enterrados até ao nariz ou afundando na areia movediça, ficamos ali a tentar arranjar logo um culpado.

Inveja é daquelas coisas que uma pessoa não tem o controle total, há quem diga que existe a inveja boa, aquela que sentimos pelo sucesso alheio e que ainda não bateu na nossa porta. Não deixa de ser inveja, assim como todo aquele que se arma em Robin Hood não deixa de ser ladrão e saber que roubar é errado, sejam qual forem as circunstâncias. Não há atenuante. Roubo é roubo.

Azar é a falta de sorte e não necessariamente um tipo de maldição a acompanhar como uma sombra a nossa vida; há o caso de gente que tem o azar de deixar-se dormir, perder o avião e que depois sabe-se que esse avião caiu. Sorte, azar...é tudo uma questão de ponto de vista. No meio da falta de sorte há uma zona cinzenta pouco esclarecedora na altura que depois revela-se como um golpe de sorte de efeito retardado.

Lei de Murphy é sem dúvida aquele seguimento da falta de sorte que faz o jackpot de um dia que tinha tudo para correr bem, mas no fim das contas, tem o seu quê de parecença com a falta de sorte. E direi até que, se é para não correr bem, que seja tudo de uma vez só e uma pessoa assim escusa de sensação de montanha russa. Vamos à pique e depois subimos outra vez.

Karma, pia mais fino, dizem que ele não tem menu e que serve justamente aquilo que temos que comer. Dum ponto de vista pessoal e sem um pingo de base cientifica, arrisco-me a dizer que a falta de sorte e a Lei de Murphy são as consequências base daquilo que fazemos. Ninguém semeia batatas e colhe rosas; atitudes redundam em consequências e pelo menos isso é que é base da crença de acção e reacção.

Mas o tal do Destino, esse pega pesado e veladamente. Para acreditar na existência do destino, em primeiro lugar é preciso acreditar que todos nós, seja nossa vontade ou não, temos um tipo de história pré-determinada. Alguém, nesse caso uma entidade superior à nós, decidiu (já que eu duvido, até pela lei mais básica da auto-preservação, que alguém escolha antes de nascer a ter uma vida merdosa) qual será o percurso da nossa vida. Podemos tomar as decisões que acharmos melhor, podemos fazer uso total do livre arbítrio, mas o tal do Destino já decidiu virar os dados do jogo e sempre acabamos na prisão sem passar pela casa da partida e sem ganhar os 2000 paus (a minha versão de Monopólio é dos anos 70)

Nesse caso, e acreditando nas tortas linhas escritas pelo altíssimo criador desta vida, ele escolhe aleatoriamente quem vai ter uma vida phodida e outros mais aliviada. A justificação de que o caráter fica fortalecido com as dificuldades não justifica nem o sofrimento de quem passa por isso ainda na idade da inocência nem pela lição que fica: se há quem escolha por nós, então as nossas boas ou menos boas decisões não alteram os factores. E dependendo se acorda bem disposto ou não, cada vida por nascer fica penhorada pelo humor do criador.

Mas fico pensando...se as coisas são assim planeadas de antemão, então tudo o que conhecemos e todas as pessoas que conhecemos fazem parte desse tal plano que nós desconhecemos e vamos às cegas percorrendo. Há coisas complicadas de perceber, e se calhar é pela nossa visão de túnel meio míope e sem óculos. Dentro dessas coisas complicadas de perceber ficam as emoções; não escolhemos o sofrimento nem as dificuldades como modo de vida; isso seria o mesmo que colocar em oposição o direito de todo ser vivo de ser feliz. E dentro desse ser feliz cabe tudo o resto: as pessoas que amamos sem reservas, as que estimamos, os pequenos/grandes prazeres na vida, as vitórias e a justiça.

Cada escolha, a ser uma opção feita por controle remoto do Destino, tira qualquer valor daquilo que escolhemos fazer. Se é de pedra e cal o resultado final dessa decisão inexorável, estamos só a aquecer o ar, consumindo recursos e fazendo peso na Terra? Olha, eu acho que não é bem assim. Há qualquer coisa que me diz que o destino venha a ser uma Possibilidade. Dentro do campo das possibilidades, aí as escolhas podem ter alguma influência. Decidir ser um ausente para o brilho de um "bem maior" e aceitando de bracinhos abertos que tudo é falível e perecível, é uma decisão não só covarde como pouco meritória. Não é infeliz mas também não é feliz.

Arriscar é sempre incógnita, mas pelo menos é uma tomada de atitude que sai do comodismo; ter medo é um mecanismo de defesa que qualquer ser vivente tem, mas nem por isso deve ser o travão da vida. É certo que assistir a repetição de enredos faz murchar qualquer entusiasmo. Mas temos esta forte crença de que somos capazes de superar as argoladas da vida. Chamem de fé, chamem do que quiserem. Não  será inútil a nossa presença neste mundo, se há realmente um acto de criação que nos colocou cá, alguma razão terá para nos colocar mais do que dúvidas e receios. E se calhar,  a teimosia e a necessidade de não aceitar que outros decidam por nós aquilo que queremos por felicidade é uma forma de tirar o inexorável e aumentar as possibilidades do Destino.

Prefiro acreditar que seremos capazes de levantar o dedo do meio ao Destino, ao pré-determinado e às vontades do criador e, mesmo aos trancos e barrancos, fazer a nossa sorte. Nem que dure minutos, não interessa, o que importa não é o tamanho da felicidade, mas sim a frequência com que ela se manifesta.

Sejam felizes.

Rakel.

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