A Sétima Noite Do Sétimo Mês




 E cá chegam as vésperas daquele dia que, em acto de desespero, pegam no Stº António, colocam-no de cabeça para baixo, afogam-no em copos de água, tiram o menino Jesus dos braços, enterram o desgraçado, na esperança que apareça do nada, um bom partido casadoiro. Cá para mim, não é na base de ameaça que as coisas correm bem, (isto para mim é puro bullying) pelo menos comigo, as ameaças correm muito mal...

S. Valentim é então o padroeiro dos assumidos comprometidos, sendo ele a velar pelos corações dos pares apaixonados e usado descaradamente como ferramenta de vendas de perfumes e flores. Ninguém maltrata o santo mártir que rebelou-se contra a proibição dos casamentos naquela época e vai "vivendo" a sua vidinha tranquila entre corações e cupidos rechunchudos.  Muitas destas esstórias, usos e costumes estão sempre envoltas em ares de mitos, sem confirmações maiores que não sejam as tradições passadas de geração em geração.

Olhando para além do nosso próprio repertório de tradições, há aqueles que criaram mitos que tornaram-se posteriormente em tradição a partir daquilo que os olhos enxergam e a mente imagina. Tenho um fraquinho pelos mitos orientais (quase sempre envoltos em tragédias) e há uma que envolve estrelas, um par apaixonado e a distancia. Tomando de alguma liberdade criativa na escrita, mas baseado no mito em si, vamos ao Tanabata.

Conta-se que o criador de todas as coisas tinha uma linda filha, Orihime, de uma delicadeza gentil e de uma temperamento afável. A pele branca e refulgente como a luz da Lua e os cabelos negros como a noite escura. Foi dado à ela o encargo de tecelã dos céus; tecia ela com as suas mãos hábeis e delicadas o fino tecido escuro e com os brilhantes pontos luminosos de cada estrela. Cantava com voz doce enquanto puxava os fios sedosos e delicados, dando alegria à quem quer que ouvisse a sua voz. Se diante de tamanho trabalho um dos fios escapava-se da trama, lá ia ela gentilmente urdir os fios para que o tecido ficasse perfeito.

Existia entretanto um jovem belo, forte e corajoso de seu nome Kengyu, e o seu trabalho no céu era de pastor; cuidava ele dos rebanhos celestes e mostrava-se um homem honrado. O criador então pensou que Orihime e Kengyu faziam um belo par, pois eram ambos tranquilos, trabalhadores e gentis. Conseguiu que eles se encontrassem e foi aquele fatal amor a primeira vista; um belo plano que deu certo juntando duas almas compatíveis e que trabalhariam em conjunto para a ordem celestial. Mas como sempre, os cálculos de quem imagina os afectos como uma equação simples, não correram lá muito bem.

Completamente apanhadinhos um pelo outro, o casal descurava dos cuidados do Universo; Orihime estava-se nas tintas que o tecido celeste tinha uma malha escapada ali ou acolá; Kengyu esquecia-se de ordenhar o rebanho que apascentava e não foram poucas as vezes que as vaquinhas celestes derramavam o leite por ordenhar pelos céus (e assim, a Via Láctea nasceu) tornando-se um rio branco visível ao olho nu dos mortais.

Digamos que o criador de todas as coisas não achou graça nenhuma nesse amor assolapado e saltou-lhe a tampa da marmita quando um cometa rasgou o tecido celeste e deixando um buraco de consideráveis dimensões, sem que Orihime fizesse caso.  O criador apanhou uma daquelas valentes gripes com tanta corrente de ar e pó estelar que entrava sem qualquer tipo de vergonha pela buraqueira deixado pelo descuido da filha.

O casal, alheio de tudo no universo e apenas centrado na visão um do outro ficavam horas, dias inteiros juntos sem outro incentivo do que estarem juntos. Viviam no mundinho  deles e estavam-se nas tintas com a ordem celestial.

Foi então que o criador, envolto num robe grosso, pantufas, com os bolsos cheios de lenços de papel e todo besuntado de Vicks, foi buscar o casal pelas orelhas e de voz fanhosa e muito ranhosa deu uma descompostura de alto a baixo aos dois. Embora soubesse de antemão que iria magoar a filha, sabia também que a ordem celestial não podia ficar entregue às traças e completamente desorientada.

Ordenou então que os dois fossem separados, nunca mais poderiam ver-se um ao outro, seriam divididos pelo rio branco, culpa de Kengyu, e fariam aquilo ao qual tinham sido destinados desde o dia da criação do Universo. A despedida dos amantes foi dolorosa e lacrimosa, juraram um ao outro nunca mais amar mais ninguém. E assim tristemente, o casal feito de almas gémeas, seguiram os destinos que lhes competiam, cabisbaixos e tristes.

Orihime continuou a tecer e a corrigir os defeitos causados pelos astros errantes, mas cada dia mais triste e calada. A voz que antes cantava e alegrava o povo celestial, agora apenas murmurava a infelicidade e separação; o tecido já não refulgia com a habilidade das suas mãos delicadas, os dedos estavam sem forças e muitas vezes o tecido ficava molhado com as lágrimas dela.

Kengyu não estava melhor, trabalhava, é certo, mas já sem o gosto e o sorriso no rosto; perdia o olhar tentando enxergar, nem que fosse um pedacito do cabelo negro da amada, turvava-lhe a visão e a razão quando pensava na possibilidade de o criador obriga-la a aceitar um outro par mais conveniente do que ele. Sentia-se tão triste e desalentado, que até os animais que apascentava começaram a ficar mais magros, sem produzir leite ou a reproduzir-se.

As outras divindades olham de esguelha para o criador, pensando na injustiça de dar a conhecer Orihime à Kengyu e depois separa-los. Murmuravam que a separação total do casal era algo de cruel e nada benevolente.

Um noite o criador entrou na sala onde Orihime tinha o seu tear e viu-a tão pálida e translúcida como um espírito; era apenas um vestígio da beleza e alegria anterior. Preocupado chegou-se mais perto dela e viu que os olhos já tinham perdido o brilho e só tinham mágoa como mensagem. Os movimentos antes gentis, agora eram trémulos e incertos e a voz... a voz era apenas um murmúrio desprovido de alegria.

Preocupado pela perspectiva da filha perder o juízo ou até mesmo a vida e deixar-se morrer como uma estrela velha, decidiu então chamar os jovens e ter uma conversa séria. Resolveu então que UMA vez por ano os dois encontrariam-se e estariam juntos. Haveria uma ponte que nasceria nessa data deixando o caminho livre para eles. Seria na sétima noite do sétimo mês do ano, nascendo assim a festividade de Tanabata, que então é a comemoração dos jovens apaixonados no Japão.

De facto, a lenda foi criada tendo em conta que por essa altura e nessa latitude tanto Vega (Orihime) e Altair (Kengyu) são visíveis a olho nu nas quentes noites de Verão. E se os amantes mortais fizerem juras de amor em cima de uma ponte e com vagalumes a iluminarem a noite... nunca mais iriam separar-se.



Não há representações em estátuas, nem os colocam de cabeça para baixo ou deixam afogados em copos de água. Uma tradição que se desdobra em festas com fogo de artifício e com os casais, numa maneira mais tradicional, a usarem as Yukatas (uns Kimonos de Verão, geralmente de algodão) divertindo-se e declarando o que lhes vai na alma.

Dizem que cada cultura tem as suas tradições, que cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso; no entanto as estórias e lendas de casais apaixonados (seja qual for a cultura ou tradição) está há anos luz de distancia do que actualmente são os casos de amor. hoje...trocam-se com mais pressa os afectos do que de meias...






Rakel.










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