Tem dia em que me disponho a trocar umas ideias,e ideia acho que será uma opinião formada depois de alguma reflexão e menos impulso.
Aceitar logo de caras uma verdade que nem sempre está na luz da realidade é passada de uns para outros tornando-se muitas vezes num movimento inconsequente e pouco realista. E querendo ou não, acabo por bater de frente com alguns fundamentalistas de causas que mostram-me o quanto estão formatados nas ideias dos outros e pouco enxergam fora do habitual. Mas...
Começo assim por causa do eterno debate ou discussão entre vegetarianos e não vegetarianos. Uma das questões que mais me irritam é a falta de consideração para quem não é vegetariano. Outra coisa que me irrita é a incapacidade de pensar sem a cassete de discurso, fazendo lembrar aquele partido com as mesmas palavras de ordem, anacrónico e ilusionista. Somos privilegiados com um cérebro, e pelo amor do santo pacotinho, foi feito para ser usado e para criar novas ideias e não repetir os que uns quantos acham melhor para nós.
Dizem os pró vida vegan que só comemos veneno e que o consumo da carne animal deveria ser abolida não só pela saúde como pela igualdade de vida. Num dos comentários que fiz a respeito disso, justifiquei que somos feitos de "fábrica" para sermos omnívoros, que a nossa dentição e sistema digestivo foi concebido e aprimorado para ser assim. Somos uma máquina complexa e que precisa de proteína animal (carne e peixe) para não só fornecer desenvolvimento muscular como cerebral. E o cidadão me pergunta a razão pela qual eu digo que somos feitos assim de "fábrica"... e olha, a nossa dentição é formada por caninos e incisivos para cortar e rasgar carne, característica dos carnívoros, com molares e pré molares para moer os vegetais como os herbívoros e por isso comemos de ambos os reinos. O nosso aparelho digestivo não processa a celulose, as fibras, e por isso deitamos fora; razão pela qual quando andamos de tripa presa e que não emagrecemos, o SR. DR. diz que devemos comer mais fibras. Mas ele nunca vai dizer "não coma carne, peixe e ovos" e fazer dessa exclusão uma alimentação equilibrada.
Mas então, baseada nessa máxima vegan, temos uma epifania, um belo dia por artes mágicas, uma varinha de condão ou num rebentar de pena todos os habitantes deste nosso planetinha azul boiando no espaço sideral resolve deixar de comer carne e torna-se totalmente vegan.
Chegamos ao século XXI com uma superpopulação que já está batendo perto dos 8 mil milhões de pessoas, e o crescimento não atrasa, muito pelo contrário. Conseguimos não só baixar a mortalidade infantil como a aumentar a esperança de vida dos nossos idosos, com melhores cuidados de saúde e de acompanhamento. Foi um longo caminho percorrido desde uma esperança de vida média de 45 anos para chegar até a actual que ronda os 80 anos. Mas por outro lado, isso nos coloca numa posição complicada: temos que dar comer à toda gente. Ninguém vive de fotossíntese, de água e luz do Sol. Mas então, é simples: seremos vegans e alimentaremos o mundo de forma saudável e biologicamente correcta.
Ok, boa intenção sem dúvida nenhuma, a realidade é que é outra.
Por causa da equação diabólica que é : salário miserável+aumentos de preços x 3 refeições por dia ao cubo (somos 3 cá em casa) fez-me pesquisar sobre alimentação em países menos abonados em termos salariais e como fazem para sobreviver assim. A Ásia é um continente com uma grande população, jovem e onde a carne é cara, coisa de gramas a dar odor aos pratos, daí onde dá-se primazia aos vegetais e ovos. Por causa disso, é também o continente onde a comida de rua é uma instituição por assim dizer. Aquele povo come a toda hora, 4 a 6 vezes por dia, e na maior parte dos casos, coisas com base no arroz (o grão cozido ou quando vira massa base para fritos e os noodles) e vegetais muito condimentados. Um dos pratos mais conhecidos e com variantes de região em região é o arroz frito, onde duas tiras fininhas de carne conseguem o milagre da multiplicação nesse arroz e dão de comer à família de 8 pessoas. E percebi que não há outra alternativa para o corpo, senão comer essas vezes todas para conseguir trabalhar e viver. Mas vamos abolir a carne e vamos fazer com que quase 8 mil milhões de pessoas comam todos os dias as suas 4 ou 6 refeições.
Temos que plantar mais e com métodos que excluam químicos e correctivos de solo para que seja uma agricultura biológica e natural, certo? Excluindo a carne então, a extensão das culturas terão que ser maiores, já que vamos comer mais. E vamos para onde? Fazer como fazem actualmente na Índia? No Camboja? Nos países africanos? Como nos novos campos de cultivo na Bolívia e Chile para dar oferta a procura da quinoa? Vamos estender os campos agrícolas pelas florestas e habitats naturais? Então... como é que fica a vida animal, sistemas ecológicos e o equilíbrio climático?
Optamos então pela agricultura intensiva no lugar da extensiva? Aí estafamos solos, sem tempo de repouso e reconstituição e tornamos-a infértil? Mas há a Hidroponia, a agricultura feita apenas com água, sem qualquer tipo de solo, minhoca ou húmus. Mas precisa de correcção química. (é só fazer clique em cima da imagem para ler o que leva)
Plantando de maneira biologicamente correcta e que não haja uma praga (e os transgénicos nasceram da vontade de criar plantas mais resistentes às pragas) de gafanhotos, afídeos (pulgões), míldio e outras cenas assim, rezamos para que não hajam secas, cheias ou tornados, nem fogos e, se tudo correr bem, oremos, temos uma safra de jeito. Uma safra. Mas precisamos de mais do que uma safra, precisamos que todos os factores corram bem. Que não hajam javalis a invadir hortas, nem pássaros a comerem as sementes e frutos que amadurecem, nem lesmas a devorar as folhas tenras, pois afinal, a vida é para todos e não só um par de espécies animais. Todos tem direito à vida. Certo?
Certo?
Isso é mais ou menos a terra prometida pós Apocalipse das Testemunhas de Jeová. Um belo conto de fadas onde os leões comem relva e não atacam os humanos, que voltam todos a serem lindos, jovens e saudáveis, por graças do Senhor. Afffffff....
Por algum motivo a natureza é sábia e moldou as coisas como são: há os carnívoros, os herbívoros e os omnívoros que controlam entre si as populações para não haver desequilibro. Quando um dos factores é privilegiado em detrimento de outro, quando há desequilíbrio entre espécies, o resultado é sempre catastrófico. Quando deixa de existir a cadeia alimentar entre as espécies a coisa corre mal. O homem, no topo da tabela, tem como predadores ele mesmo e as doenças que vão aparecendo, evoluindo, adaptando-se e tornado-se mais mortais. De cada vez que interferimos com a inclusão ou exclusão de uma espécie que não pertence à um determinado ecossistema as coisas correm francamente mal.
Há uns anos, um tipo lembrou-se de levar coelhos para uma região da Austrália onde não haviam predadores e que virou uma verdadeira praga. Por outro lado, há esse bando de cretinos que por troféu, bazófia e falta do que fazer (e eu ainda com limpezas da Primavera por fazer e sem candidatos para ajudar), quase exterminou por completo a população de lobos na Europa. Agora e depois de muitos esforços, felizmente, temos programas de reprodução e re-população de áreas. Há um vídeo neste link, que convido a verem, é o Paque de YellowStone e que serve para perceberem o quão delicados são os sistemas ecológicos e que a re-população com carnívoros, fez renascer o parque e inclusive parou a erosão dos solos.
Como disse nesse, digamos, "debate de ideias", não há soluções mágicas. Mas uma coisa é certa, temos deixar de hipocrisias e olhar para o problema de frente: a superpopulação e o consumo excessivo.
Quando uma das espécies, e no caso a nossa, excede em número, aquilo que precisa de consumir para sobreviver esgota o sistema onde vive. Pode parecer cruel, pode até parecer monstruoso, mas somos demasiados num planeta com recursos que não são eternos. A verdade é que que teríamos que ser pelo menos metade em termos populacionais para as coisas correrem bem. Se me disserem que acho cruel, brutal e desnecessária a forma como são abatidos os animais para consumo alimentar, contem comigo, sou solidária com a causa. Que me digam que é aberrante colocar animais para puxar carruagens em jeito de táxi romântico até que caiam para o lado, concordo sem dúvida. Se me disserem que é idiota e repugnante esfolar animais vivos só por causa da pele, contem comigo. Se me disserem que é horripilante fazer testes científicos em animais, tem todo meu apoio.Há praí tanto desgraçado no corredor da morte que poderia, finalmente, dar algum contributo à sociedade... mas isso parece que não é ético.
Catano, somos capazes de mandar sondas para Marte, temos casas, electrodomésticos, carros e telelés inteligentes, nanobiotecnologia e não há uma alminha que encontre uma solução mais digna e menos agonizante para abater galinhas e porcos? Mas deixar de consumi-los não é solução, vai ser problema.
Solucionar o problema de alimentação saudável não é "catequizar" o povo na doutrina do veganismo; é preciso a coexistência de ambas as vertentes: a que ESCOLHE não comer carne e a que ESCOLHE comer carne. Haja equilíbrio. Se pregamos o respeito pelas escolhas, aqui também vale essa máxima. Não solucionará nada estender áreas agrícolas, nem tomando territórios de animais, que até vivem sossegados na vidinha deles, e esperando amadurecer de forma natural aquilo que a terra dá. É preciso uma consciência de que colocar cada vez mais gente no mundo, sem recursos e sem soluções não é opção inteligente. Que não é cair em desgraça não trocar para um novo e último modelo de telemóvel, a nova tendência de calças e cores dos tops. Uma pessoa vive bem sem 30 T-shirts e 20 pares de calças.
Tomem atenção ao tamanho dos pratos que os restaurantes dos centros comerciais e que servem comida a peso nos passam para as mãos. São quase do tamanho de uma travessa; na nossa cabeça a tendência é encher o prato, o que significa para o negociante mais lucro, mas no final, pelo menos metade da comida fica no prato que acaba no lixo. Ou então enfarda-se tudo, desabotoa-se o botão das calças e andamos ali a "esmoer" a digestão como as jibóias. Nenhuma das duas hipóteses é boa. Desperdício alimentar é um grande problema.
O reino vegetal é um mundo vivo como qualquer outro que "percebe" as agressões que sofrem e reagem como mostra este estudo aqui , sentem as mesmas coisas que qualquer outro animal. Sentem que estão a ser comidas. Não sangram vermelho, não guincham, mas sofrem na mesma. É de uma hipocrisia enorme colocar um tipo de vida em menor importância e desvalorizar o sofrimento só por não nos apercebermos disso.
Não me falem dessa associação que gasta bom dinheiro em publicidade, fotografando "voluntários" que pintam-se de vermelho e embrulham-se em plástico e mega cuvetes contra o consumo de carne e sendo pró animal... e andam a morrer animais em zoológicos por causa de guerras ou disputas em tribunal. Isso só vai dar que, esses voluntários, daqui uns 80 anos, já velhinhos e com pelo menos uns 3 transplantes em cima, em vez de morrer de causas naturais e lutando por mais um ano, mostrem à catrefada de netos e bisnetos que "no meu tempo era activista pela causa animal" e mostrando as fotos da sua gloriosa juventude como modelo contestatária. Vão lá, lutem pelos animais, alimente-os, criem santuários. Adoptem, cuidem e amem animais e não usem nada, mas NADA que interfira com outra vida. Não adianta ser vegam e usar produtos testados em animais, usar roupa que para ser produzida polui e usa mão de obra infantil e escrava. Não matem melgas nem baratas e nunca usem sabão anti bacteriano, pois bactéria também tem direito a vida. Ou então deixem-se de merdas.
O mundo não é perfeito, não há soluções perfeitas e não há cassete que dê a ideologia perfeita. Dizer que erradicando um lado vá resolver outro é fantasia. Criar gerações menos consumistas e mais organizadas no crescimento demográfico seria mais plausível.
Não ponham a mão só num dos pratos da balança pensado que isso trará melhores resultados e acima de tudo, saibam respeitar os que tem as suas próprias escolhas. Isso é o mínimo a pedir em qualquer tipo de convivência saudável. E apresentem argumentos válidos, não partam ofensa gratuita ou agressividade (como os ativistas dessa organização "faz o que eu digo mas não faças o que eu faço"), isso só desvirtua a ideologia que pregam.
Rakel.
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