Os Filhos de Evita Peron - Chorai Cambada!




Evita Perón foi a primeira dama da Argentina, uma mulher conhecida por abraçar a causa dos "descamisados" esse povinho pobre, descalço, faminto e que pouco mais esperavam da vida que a sobrevivência e acabar numa cova rasa sem flores. Ela terá sido a primeira a calçar botas para visitar os bairros sociais da antiga Argentina Peronista e que hoje é exemplo desta nova raça emergente da política.

No que ela pareceu ser a Rainha que levava pão e moedas na alcofa a distribuir, às escondidas do Rei, para dar ao pobres, na verdade nasceu em lar pobre, paupérrimo. Não teve berço de ouro nem educação esmerada; uma dos 7 filhos de Juana Ibarguren, ela era como os irmãos ilegítima, já que o pai tinha uma família legítima. Portanto as aspirações da jovem Maria Eva, Evita para os amigos, seriam aqueles que a sorte lhe calharia em ou seguir as pisadas da mãe e encontrar quem a sustentasse ou ser bafejada por meio palminho de cara e ter a sorte de fazer a vida fora da pobreza e da mancebia. Calhou-lhe ter um palmito de cara e ser pescada por Juan Perón. E aí esqueceu de onde nasceu, as humilhações e formou uma nova personagem: a Evita do Descamisados.

No actual quadro geral da sociedade, no que toca em usos e costumes a malta não aprende nada com os exemplos anteriores e parece perpetuar esse tipo de elite fabricada em molde Evita Perón.

Não é nenhuma novidade que a vida não é linear e que apresenta uma sem fim de possibilidades; também é verdade que o factor sorte é algo a levar em conta quando aparece no momento exacto.

O que me dana o cérebro é que ainda hoje há este espectro de uma nobreza numa sociedade feita de amnésia colectiva, sem estatuto de nascimento e terem combatido nos tempos de juventude contra ela.

Depois de tantas lutas e esclarecimentos, de uma vida inteira a saber que a nossa sorte muda conforme a maré e que no campo da possibilidade, o que hoje é certo amanhã não será há quem vire de quadrante e mande tudo às urtigas, ideais e visão crítica. E do meu lugar da bancada, o que mais me deixa apardalada, é o ressurgimento desta Nova Nobreza, feita de gente amnésica e que pensa que isto, da gente nobre, só tem um lado bom.

Os Neo-Nobres distinguem-se por serem aquelas pessoas que nasceram e viveram durante muito tempo de forma humilde e que as aspirações eram simples mas firmes. Os amigos eram os de sempre, desde a primária, passando para o secundário e que muitas vezes foram abrigo em horas ruins, um prato de comida quando faltava na mesa deles e a certeza que um dia haviam de retribuir esse afecto descomprometido.

Aí um belo dia, depois de terem tirado o canudo e descoberto o mundo impressionante da política, descobrem que a vida é muito mais simples se tiverem um estômago bem treinado, a capacidade de esquecer o passado, um bom fato e um falar afectado e pretensioso. E mais um filho da Neo Nobreza surge tal como Evita Perón, que nascida da pobreza, chegam à lugares nunca antes navegados. E é ver como se juntam em rebanho, como se fossem uma espécie à parte; que mesmo dentro de visões políticas e sociais diferentes agrupam-se e formam esta elite descabida e precária.

É vê-los à ensinar aos filhos que "o menino tem que andar com os iguais e não com gentalha fora do meio" ou "que a menina deve ser peneirenta, manienta e com voz anasalada para ser escolhida entre os iguais". Mesmo que nas horas piores vejam-se abandonados à sua sorte, mas que voltam ao redil como se nada havia-se passado. É vê-los, não por miopia ou outro problema ocular, nem por aquelas frases de sabedoria facebooquianas de "quem realmente é teu amigo te procura" (uma experiência deveras interessante  de colocar em prática) mas que  ostensivamente fazerem de conta que não conhecem; os que no passado, deram-lhes a mão, guarida e um prato de comida ficam invisíveis de um momento para outro. É vê-los esquecidos do poder de crítica e de racionalidade, rendidos às mesas fartas, ao dolce far niente, como se fossem herdeiros duma casa real e que, sabe-se lá como, de algum lado pingam indulgências de um preço que escava a dignidade. Ganham uma moralidade e um sentido de crítica de vida alheia como bastião da sua nova posição de elite. Faz o que eu digo, mas não faças o que eu faço.

Mas ó povo, não te ponhas aí a pedir satisfações de problemas que essa elite não resolve; não relembres promessas não cumpridas e nem de relações duvidosas e um bocado podres feitas de privilégios concedidos à preço. Aquilo que eles vêem não é o amigo de outrora, mas sim aquele que pode colocar em perigo a sua posição nessa nova nobreza, é relembrar de onde vieram.  Que esta nova nobreza, que se os tempos apresentem-se  difíceis e para não perder o brilho, perdem a vergonha e pagar o colégio dos "piquenos", até se propõe, num meio selecto é claro, a vender o corpinho por essa nobre causa que é ser da Neo Nobreza.

O mais triste disto, além de ser verdade, é saber que está tão perto de nós, de quem conhecemos de uma maneira e que agora apresentam-se de outra completamente diferente.

E como tudo que tem alicerces podres, é vê-los num futuro não muito distante, a ruir em bocados. E nós, os descamisados e dessa "moral" duvidosa ficamos aqui a ver o espectáculo acontecer.
Da minha parte em concreto, não sei se eu, má como as cobras e de coração preto, peludo e frio como as pedras vai esticar a mão outra vez. Já me permito muitas coisas, não tenho mais medo de consequências, uma delas é não ter medo de não perdoar. O céu não vai cair na minha cabeça por isso.

Obrigada Belona, pensava que só eu era da ralé desconsiderada...junta-te à nós e seremos muitos.


Rakel.


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