O Sétimo Pecado




Há quem acorde de manhã tal e qual as princesas da Disney: aquela pilha toda sem ter levado uma intravenosa de cafeína, mas já cantando com os passarinhos e saudando o sol. Ainda nem abriram bem a pestana e já estão a saltar de um lado para outro.

Admito que preciso de mais ou menos uma meia hora para que o meu sistema operativo consiga arrancar e aparecer o ambiente de trabalho. Nessa meia hora com a bolinha a girar e o Bem Vindo na tela, por favor, não me façam perguntas muito elaboradas. A resposta ou sai torta ou monossilábica no mais simples É, pois, hã? hummm...

Então, quando o meu sistema estava quase a chegar no ambiente de trabalho me fazem duas perguntas: "sabes quais são os 7 pecados e as 7 virtudes?"

Sinceramente, uma pessoa ainda nem sequer tem as ideias organizadas e já começam de caras a puxar de ficheiros que nem sei onde andam. Fiquei ali uns minutos, de olhos mal abertos a pensar e fui recitando os 7 pecados. Correu bem até começar a tentar lembrar das 7 virtudes. Uma branca que não abona em nada uma pessoa. Quer dizer, no âmbito dos pecados, saio-me bem, chego nas virtudes e me espalho ao comprido. Aí lembrei que as virtudes surgiam em oposição aos pecados e fui desenrascando-me mais ao menos até chegar à sétima virtude. Se é uma oposição ao 7º pecado, então a coisa complica-se. Há 3 nomes pelo qual é conhecido o 7º pecado: soberba, vaidade e orgulho. Serão as mesmas coisas? E mesmo que coloquem as 3  definições no mesmo saco, seja por uma questão de economia e para não estragar o molde místico do número 7, é tudo farinha do mesmo saco? Acho que não.

Recorrendo ao velho dicionário com edição de 1970, uma pessoa vaidosa é aquela que tem grande cuidado com a aparência; que demonstra felicidade pelo sucesso próprio ou de outra pessoa; pessoa que tem excessiva confiança ou orgulho (então?) em si próprio. Aqui começam logo por pegar no orgulho e coloca-lo já como um apêndice da vaidade. Então um orgulhoso é uma pessoa que manifesta um alto apreço a si mesmo ou à outrem; soberba ridícula (isso quer dizer que há soberba séria???) e Brio. Um momento, ter brio é pecado? Brio segundo definição é sentimento que impele a cumprir o dever; generosidade e valor. E na definição de dignidade aparece brio como uma tradução. Mas brio não é uma parte ou tradução do orgulho?

E uma pessoa, no caso eu, começa a pensar: mas que porra, então, como é? Parece que tudo fica nas mãos de uma fita métrica invisível e subjectiva que avalia por definição pessoal se uma pessoa é mais do que deve ou menos do que precisa. E o sistema arranca nesse entretanto. Soberba tem como definição orgulho (e lá voltamos ao princípio), altivez e arrogância

Quer dizer, o exagero de qualquer uma destas definições é sucessível de uma avaliação pessoal, eu posso achar que a minha vaidade é na dose correcta, mas outros acharem muito ou pouca. Assim como a dose de orgulho, a soberba apesar de carregar uma má fama, é necessária em determinados momentos em que precisamos opor-nos contra atitudes de pessoas ou situações que nos querem menosprezar. Ahhhh, pois é, a sétima virtude é a humildade, que por definição é a capacidade de reconhecer os próprios erros ou defeitos; sentimento de inferioridade; demonstração de respeito e ou submissão.

Agora percebo melhor a razão de ser tão complicado para mim lembrar das tais 7 virtudes. Há qualquer coisa que me impele a detestar a submissão pura e simples e dá-la de mão beijada à alguém. Reconhecer alguém como melhor do que eu, não será necessariamente dar à ela a minha vassalagem e toda a minha submissão. A falta de brio e orgulho em si mesmo, se acabar numa humildade reles de sentimento de inferioridade, faz atrito com o conceito de amarmos-nos de forma saudável. Reconheço que a par da minha fatídica teimosia, há uma dignidade que não tem nada a ver com soberba, mas com instinto de auto preservação. Escolho defender-me, com brio, orgulho ou até a mal afamada soberba, como até fazem os ratos perante alguém maior e que querem dar umas dentadas: colocam-se sobre as duas patas inferiores e arreganham os dentes numa luta, que nem sempre garante a vitória. Mas dão luta.

Acredito que a necessidade de fomentar nos fiéis uma submissão perante o poder eclesiástico tenha sido o motor das duas listas, as das virtudes e pecados. Vamos colocar a malta sob um cabresto curto e controlado, não vão lá começar a descobrir que tem cérebro e que possam colocar em causa todos os dogmas e demais leis que até são confortáveis para quem prega.

Aceito o facto de que a minha dignidade e brio possam ser confundidos com orgulho excessivo ou o mau sentido da soberba por quem não tem qualquer pudor de submeter-se à uma situação que não sabe como contornar ou controlar. Dou demasiado valor à minha dignidade e, sei por experiência própria, que não percebem que isso, da dignidade, é um valor que está em desuso. Infelizmente as pessoas jogam a dignidade fora em nome de uma conquista de um lugar ao sol na sociedade; de uma relação sem reciprocidade (mas rastejando por umas migalhas) ou de desespero de causa.

Ainda rapando o  potinho do iogurte, pensava nesta epidemia de falta de coluna dorsal mascarada de humildade que anda por aí. Ou da falta de dignidade de quem nos governa, ou daqueles que são nossos chefes ou líderes. Vá lá, aceito o facto de que além dos meus defeitos todos, da minha teimosia militante (que eu prefiro abonar como perseverança) junte-se o orgulho, a vaidade, o brio, a dignidade, a vaidade e mais outro tanto que queiram dar. Que peguem nessa fita métrica imaginária e nessa balança não avalizada e que me julguem como bem entender. Não vai ser isso que vai me impedir de atacar o segundo potinho de iogurte e mandando à pata que o colocou o tal pecado da gula.

Que seja verdade que muitas vezes, quando me sinto desiludida ou inconformada, vista a minha capa de dignidade e salve a minha coerência. E que quando enxergam futilidade em tudo que se vive, que nada importa, eu vejo em mim a importância da minha vida e do que eu penso. Não é pela luta em si, mas o significado de ser eu no meio desta baderna toda. Aturem-me ou não, é escolha que não interfiro.

Juntem lá o mau despertar e mais este rol de inquietantes defeitos e há já o principio daquilo que chamam de "gaja com mau feitio". E eu... nas tintas. A sério, a ver tanta gente agora a se auto proclamar de humilde e de boa energia, uma pessoa ou é coerente ou então vai na onda de falso humilde, de uma modéstia que não tem e de uma deferência que não acredita mas usa.

E entre ser autentica e má ou uma falsa humilde e deferente... escolho a má. Dá-me melhor sono à noite o facto da minha consciência não ter nada a reclamar das minhas atitudes.



Rakel.


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