Estação






O foco e o ajuste de luz certamente não serão os melhores nem o enquadramento e todos esses preciosismos da técnica, até porque foi tirada de um telemóvel já descontinuado e sem "inteligências"; nem foi essa a minha preocupação na altura. Depois em casa, não socorri-me do photoshop para corrigir ou melhorar a qualidade da imagem; acho sempre que é batota e que se é assim que vi, que seja assim.

Numa das estações de comboios mais movimentadas do país, vi-me ali sentada a espera que o meu colega acabasse os seus assuntos no WC e apercebi-me do silêncio, a ausência de pessoas e máquinas prontas a arrancar aos seus destinos. Sombras e luz existindo pela razão própria dessa necessidade um do outro. Há momentos em que parece que o mundo pára, toma fôlego, faz um compasso de espera para retomar os seus movimentos frenéticos. Apesar disso, a vida não fica em modo de espera, continua, gira e renova.

Ali sentada no banco, dando uns minutos de descanso aos pés, saco do telelé e focalizo a rampa completamente vazia, a linha de ferro nua no cascalho e o céu luminoso mas cheio de nuvens. Olho para o lado e apercebo-me que um funcionário tinha parado o seu caminho para que eu tirasse a fotografia. "Já posso passar?" perguntou. Respondi que sim e agradeci a gentileza que ainda algumas pessoas vão tendo em não atravessar-se na frente de um momento.

Quantas pessoas nesta plataforma, não estiveram ansiosas que chegasse o comboio para logo chegar em casa? Quantas estavam renitentes quanto ao que iriam encontrar a chegada do local onde sairiam? Quantas já fariam o percurso sem emoção alguma, ausentes de ansiedades e receios? Quantas seriam aquelas que pela primeira vez, de mochila às costas, percorreriam caminhos e descobririam coisas novas? Quantas delas andavam a fugir delas e do mundo?

E eu me vi ali, espectadora de um palco vazio, sem personagens com os seus monólogos, sem os movimentos apressados. Espectadora de pessoas que não conheço, de quem não sei os nomes nem o que pensam. De quem apenas imagino, por gestos ou linguagem corporal o desconforto ou a indiferença, a curiosidade ou a pressa de chegar.

E não é raro sentir-me na mesma situação, a de espectadora, mas dessa vez no palco da vida que tenho recheada com caras que conheço, com vozes, gestos e pensamentos que me são familiares. Que andam frenéticas de um lado para outro debatendo-se nas linhas cruas e nuas da vida. Outras poucas, diga-se em verdade, que assiduamente frequentam a plataforma, mesmo que partam logo. Há sempre pessoas a chegarem e a partir, há sempre caras conhecidas e desconhecidas, e cada uma delas tem o seu próprio caminho. Umas são expansivas e sensíveis, outras são de aço aparentemente duro e frio escondendo o miolo frágil; outras são erráticas e emotivas.

Eu não sou o chefe da estação, não controlo o horário dos comboios, não tenho funcionários a trabalharem sob minhas ordens. Não quero que me justifiquem atrasos, erros de linha ou passageiros com mais bagagem do que aquela que conseguem carregar.

Estou só a espera da gentilize rara, de saberem por antecipação que uma atitude egoísta e despreocupada possa estragar um momento. Fico expectante, que as caras apressadas que conheço tão bem, que reconheço nas palavras os significados, percebam que não é desencanto nem cobranças, mas que a convivência, embora apressada e espaçada pede que seja sincera e aberta.

As linhas e os comboios correm nos dois sentidos, na ida e chegada; não há só um comboio e só ele a fazer um único percurso. E os comboios fantasmas... são apenas estórias de contos fantásticos.


Rakel.



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