Um Faz De Conta - A Lista De Ambições





Entre "Era uma vez" e um vamos supor:

Um casal comum, bastante comum, resolve partilhar a vida a dois com todos os sabores e cores possíveis. Ele um fanático da bola e ela uma incurável romântica decidem que a vida é bela e fácil de levar; tudo se resume às escolhas simples.

Num belo dia, ela descobre que o teste dá positivo e vai ser mãe; por arrasto, ele vai ser pai e começa uma interminável lista de receios e desejos. De cada lado colocam-se esperanças, desde a saúde que seja o factor principal da criança, e tanto faz que seja menino ou menina, e tudo que depois idealiza-se pelo rebento por vir. Ambos pensam: ele há-de ter uma vida melhor que a minha...

Aí a criança nasce e nem abriu bem aos olhos ao mundo e já lhe tascaram um nome. Nasceu menino e por decisão parental é um Ronaldo Micael (Ronaldo por escolha do pai que não quis ser como todos os outros fanáticos da bola e apelou não pela escolha óbvia, Micael escolha da mãe que adorou o último trabalho do cantor) que o pai, logo a seguir registar no cartório este nome que o vai seguir para o resto da vida, foi filia-lo ao glorioso. Comprou até o equipamento tamanho mini na esperança de que seja, tão rápido quanto possível, postar a foto do rapagão equipado no mural do facebook. Nem dois meses tinha e o Ronaldinho Micael já estava a ser baptizado e colocado na fila para posteriormente fazer a Primeira Comunhão, já que os pais escolheram para ele a religião que toda gente é, mesmo não fazendo nada do que lhe compete. Os padrinhos hão-de ser aquele amigalhaço do pai que é um bebedolas e "entre carreiras" crónico (mas uma amigalhaço e pêras) e a madrinha é colega de secundário da mãe que deixa morrer de sede até os cactos.  Ainda estava na barriga da mãe e já tinham escolhido a creche e feito reserva de vaga.

Escolhem depois a escola primária, o que vestir, como cortar o cabelo, que melhor será começar a dar só vegetais e explicar que o mundo é para campeões e ele, que nasceu menino, tem por obrigação ser também um campeão. Está no primeiro ciclo e a mãe já sonha que o rapaz vai optar por uma das únicas escolhas decentes na vida: médico, engenheiro ou advogado. O pai, coloca-o na escolinha de futebol da União De Refelganços de Baixo, não vá ser o puto o próximo génio da bola. A mãe coloca-o no Inglês e não faz batatas fritas para não sujar o fogão. O puto é um bocado irrequieto e então na escola decidem obrigar os pais para que seja feita uma consulta para que o rapaz tome risperdalina e baixar o facho e facilitar-lhes a vida. O padrinho decide ensinar algumas asneirolas e dá a provar o primeiro gole de cerveja enquanto a madrinha só se lembra dele no Natal. A mãe, atenta e devota ao filho "ouviu dizer" que isso das vacinas dá alergias e provoca autismo, que o glútem é de evitar e que ele vai sempre escolher a rapariga errada. Portanto, vamos apertar no policiamento destes itens perniciosos.

O rapaz então cresce, chega à jovem adulto e não grama mesmo nada a bola: prefere a natação; não quer fazer uma das 3 opções louváveis, quer ser escultor e está a fazer Belas Artes; ateu convicto e gosta de fumar um charro uma vez por outra. Tanto gosta deles como delas apesar de ter um comportamento bastante responsável nesse campo: sempre protegido. Come o que lhe dá na gana, veste-se como lhe apetece e lê tudo o que apanha. Como não gosta do nome que lhe deram, é conhecido por Tutta e passa menos vergonha em cada conversa e apresentação.

Os pais, na maior parte dos casos, fazem dos filhos o projecto de uma vida melhor mais as ambições daquilo que nunca conseguiram fazer. Depositam todas as esperanças e desejos, dão-lhes meios para abrirem, como costumam dizer, "o seu caminho na vida", sem pensar que cada qual escolhe o seu caminho. Nem sempre os pais tomam as melhores opções, nem sempre tem o poder de ver mais à frente. Fazem o seu melhor dentro do mundo que conhecem. Noutras vezes, os pais tomam decisões difíceis, mas que realmente visam o bem estar dos filhos.

Tem sido tema de debate em alguns lugares o caso da jovem que morreu com sarampo. Daquilo que li, entre a caça às bruxas e da indignação por...vá lá, gostar de indignar-se, a pedir que sejam multados ou penalizados de alguma forma pouca gente tem-se dado ao trabalho de pensar um bocado. Li também que parece que a jovem antes tinha passado por um episódio de choque anafilático aquando de uma vacinação. É plausível que os pais tenham optado por não vacinar a filha. Mas jamais acreditarei que a intenção deles fosse fazer algum mal à ela.

Tento ter o mínimo de fé na ciência médica, mesmo quando leio que um medicamento, em pleno século XXI e depois de tantos problemas que a Talidomida deu no século anterior, faça ainda que nasçam mais de 4 mil crianças com mal formações. Que façam estudos cobaia em países pobres (no caso da Índia, por exemplo, é ver a quantidade de crianças que, sem razões genéticas dos pais, nascem com um sem número de mal formações) para testar medicamentos. Que basta um americano ter apanhado ébola para milagrosamente ter aparecido por encanto um medicamento para o tratamento. Que uma fundação americana sobejamente conhecida estar envolvida (pelo que tudo aponta sim) com um UPS!!! escaparam uns mosquitos que milagrosamente (somos um povo de milagres) aparecem no Brasil a transmitir Zika. Que hajam lotes de vacina placebo e outros activos e façam-se testes e estatísticas de transmissão e cura... enfim, quanto mais há a dizer?

O que me dana o cérebro mesmo é um pasquim da manhã usar das gordas para fazer negócio e gerar polémica. Que meio mundo leia as gordas e não tenham meia horita para parar e pensar um bocado nas razões de cada lado e principalmente, olhar para os próprios hábitos de risco (e vão desde pegar no volante com o grão na asa até ao bico "inocente" na discoteca) e armarem-se em aldeões de forquilha e tocha na mão para matar e fazer justiça dessa bruxa insolente que escolheu outra opção.

Mas estes que em manada indignada pedem a cabeça destes pais, são os mesmos que defendem o livre arbítrio e a liberdade. E eu só gostaria que lessem mais e que fossem menos propensos a decidir quem deve ser ou não punido. Todos cometemos erros, todos somos posteriormente responsabilizados pela nossa consciência desses erros. Mas não aceito que um pasquim da manhã faça disso caso e esfreguem sal na ferida dos pais.

Isso é injusto.


Apareçam

Rakel.


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