Play It Again






Uma coisa é certa, não somos indiferentes aos sons que conseguimos captar com os nossos ouvidos. Seja o sapateado ao estilo River Dance do vizinho de cima a usar tamancos holandeses, seja o gotejar da chuva pelo algeroz ou até o bel canto de chuveiro morno que toda gente arrisca. Somos sobejamente agraciados com as inúmeras formas imaginativas ou pitorescas de pegar em 7 notas musicais e desdobrar em harmonias, solfejos e arranjos. Uns com mais talento do que outros procuram exercitar e distribuir efeitos que não só juntam sons como emoções e palavras que nem sempre são fáceis de dizer.

A música é um bem precioso da humanidade, sem dúvida nenhuma.

Arrisco-me a dizer que a música será sem dúvida uma das nossas formas mais criativas  de arte, embora a tendência seja sempre tentar marginar aquilo que é considerado bom ou menos bom. É uma questão de estética pessoal como são as gravatas e perfumes. Continuo arriscando, dizendo que é algo que une as pessoas, e juro que não ando em nenhuma fase hippie pós moderna, com insenso espetado em cada narina, flores no cabelo (a gata tem alergia aos pólens, tadita, e assim flores só agravam a actual conjuntivite) e a tocar bongo numa conciliatória união universal e de paz, amor e luz, muita luz. Né nada disso...

O mundo anda numa baderna tal, com tanta gente encontrando solução em extermínio dos outros, que qualquer dia a cura vai ser a nossa pedra tumular. Nós podemos ser para qualquer um os "outros" a exterminar...

De qualquer maneira, se há algo que seja conciliatório entre nós, bípedes de cérebro desenvolvido (tem dias...) é que nós usamos a música de várias maneiras.

As duas sondas espaciais Voyager andam por aí, vagando pelo extenso universo carregando dois discos de ouro com sons cá do planetinha azul. Entre saudações de cada povo vivente, há também música e algumas imagens do nosso planeta, assim como canto de baleias, pássaros, sons da chuva, mar e trovões. Um deles deveria levar, além de amostras de música clássica e do velho rock'n'roll, uma música do Beatles que, apesar deles terem dado permissão, a editora não permitiu. Não fosse algum habitante do planeta Zoid fazer uma cópia e não pagar direitos de autor. Editora discográfica é o que atravanca o progresso, sem dúvida.

No que respeita aqui o nosso cantinho, há este paradoxo incrível de que somos 7 mil milhões de pessoas que com grande dificuldade procuram entender-se uns com os outros e se sentem sozinhos no universo, justificando assim programas espaciais a procura de noutros que ainda serão mais difíceis de entender e aceitar. Com essa grande lógica e, se realmente forem mais inteligentes do que nós e virem a baderna entre Putin, Trump, Kim Jong-un fazem perante os nossos olhos, dão mas é corda aos amendoins e fogem o mais longe que conseguem de nós.

No que os líderes tentam apontar dedos uns aos outros, há muita gente fazendo mais conciliações através da música do que muitos chefes de estado. Muitos arriscam a vida nesse jogo contra proibições que uma determinada interpretação de livros sagrados parece dar força, mas que mesmo assim não vence.

Há bandas que arriscam muito nesse jogo. Na Arábia Saudita, ter uma banda de Metal é o mesmo que pintar um alvo na testa. Das duas uma, se for apanhado e perguntarem se é uma banda com objectivos islâmicos e a resposta for sim, levam com uma lavagem cerebral e acabam por deixar de tocar Metal e dedicam-se à deus. Se disserem que não...bom aí vão mesmo enfrentar pena de morte ou são bons na fuga.

Os Al Namrood, banda de Black Metal, saudita e é daquelas que desafiam a ordem imposta e não tendo outra alternativa tem que usar do anonimato para seguir tocando. Mesmo contra todas as ameaças e possibilidades de acabarem muito, mas muito mal, desde 2008 tem sido prolíferos na produção e concretização de vários trabalhos e...dois vídeos musicais.

Por outro lado, enquanto as hostilidades continuam entre Israel e Palestina, com os colunatos entrando em ordem de despejo e brigas, os Melechesh, banda de Black Metal formada por músicos israelitas e palestinianos, fazem a terra tremer com sons fortes, sem divisões ou conflitos de pedra na mão.
Por outro lado, os Seeds of Iblis, mesmo não confirmado que estejam mesmo no Iraque, tem como tema base a revolta contra a punitiva e mal interpretada religião islâmica. Os riscos são os mesmos, a ousadia também.

A música já serviu em tempos de guerra para protestar e exigir o seu fim; serve como exaltação para quem vence (e aí não tem erro, ou é We are the champions ou a música do Vagelis Chariots of fire); serve para campanha política ou contra campanha política; serve para falar das tristezas de alma ou do fogo de artifício interno da alegria. Já serviu de inspiração (coitado do Wagner) para que ditadores pensassem que seria uma mensagem para erguer um povo moribundo e na pobreza solene. Serve do Réquiem à Marcha Nupcial, do carnaval em pleno inverno animado com passos de samba; da molejo solto de uma Morna ou desancanto de Blues, da revolta de quem fez a escola na rua, das fusões e misturas de géneros incontáveis e de difícil categorização, o certo é que a música, faz parte da nossa vida. É reflexo do que somos.
E se é possível ter quem faça música, mesmo que isso signifique ir contra a maré, um risco de vida, que seja um tipo de união impensável, merece todo o meu respeito. Mesmo que não faça muito o meu género. O que me fascina é mais pelo simples facto de acreditarem naquilo que gostam, que o coração pede e não fraquejarem. Da coragem e da ousadia de não aceitar imposições sociais que não fazem sentido.  Mesmo que o mundo esteja contra e que seja contra todas as expectativas.

E isso...dá-me algum optimismo de que as pessoas, mesmo que poucas, consigam perceber que, apesar dos medos e riscos, há que tentar continuar a fazer e viver aquilo que gostam e acreditam. Se só se vive uma vida de cada vez, que pelo menos sejam honestos e coerentes consigo mesmos.


Apareçam

Raquel

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