Tomando Canja De Letrinhas - Rebuscando o Sentido dos Sentidos





E cá estamos, a dar o ar da graça, a massajar as meningens e fazer com que os poucos mas trabalhadores neurónios funcionem e rebatam, dentro do possível, as mais diferentes teorias, hipóteses e filosofias. E depois de uma conversa regada a Schopenhauer (e não é tinto) e muitas discussões sobre realidades. e no que toca ao sentido de realidade e duma forma cínica de ver o mundo e humanidade, li um post que ainda foi mais uma acha na fogueira dessa conversa.

Ilusão versus Realidade e todas as formas de percepção dos mundos. Quando falo dos mundos, digo material e imaterial.

Então vamos lá.

Se me armar em sacana e superior, do tipo que pensa que apenas eu e somente eu percebo o que é realidade e tudo é ilusão, seria uma solipsista. O Solipsismo é uma corrente filosófica que baseia-se, por assim dizer, num pragmatisto absoluto virado para sí mesmo. O Eu o supra sumo do homcentrismo ou do antropocentrismo. Caneco, digamos que tudo converge que o conhecimento só existe e é real dentro do indivíduo pensante, aquele que formula e constrói as ideias.

Isso quer dizer que, da mesma maneira que lá do espaço se viu que a Terra é de forma arredondada, há quem faça valer das suas ideias e construções mentais para afirmar que a Terra é plana, e fim de papo. Ok, as pessoas podem definir cada coisa dentro daquilo que referem como realidade como bem lhes apetecer. Da mesma forma, qualquer pessoa baseada em ideias próprias pode jurar a pés juntos que dragões existem, pelo simples facto de tantos répteis terem chegado aos dias de hoje, apesar dos milénios da evolução. Embora nunca tenha visto nenhum. Mas dirão então: só o facto de não ver é provada da sua inexistência? Boa pergunta.

Quem é privado do sentido da visão, nesse caso específico, percebe menos da realidade? Ou descodifica de outra forma dando outros sentidos? E quem não tem a audição? Os daltónicos? Dos que carregam alguma trissomia? São realidades diferentes? São várias ilusões ou são apenas...maneiras diferentes de interpretações? Estarão todas correctas ou todas erradas?

Não acredito que só pelo facto de não ver uma macieira ela vá começar a dar romãs. Ou que o barulho da água se torne um balir só por eu ser incapaz de ouvir. Ela vai continuar a ser água, a escorrer pelas pedras e desgastando com o tempo cada bocado por onde passa. Os factos naturais não mudam apenas pelas minha limitações físicas, associações mentais ou amargor da vida. O mundo continuam no movimento de rotação e translação e está-se nas tintas pelas minhas interpretações. Eu posso usar de todo o meu cinismo, no real significado da palavra* e não me preocupar com mais nada senão sentir e aceitar o mundo natural tal como é. E perceber e associar maçãs com a minha avó materna; água com liberdade e a cor azul com os Eurythmics (nem eu percebo a razão).

Então as ilusões são o quê afinal? Provavelmente serão as projecções dos nossos desejos, das nossas lacunas por preencher. Sacamos cá para fora e colamos tudo isso no mundo natural e físico. É algo que não podemos escapar: desejamos, criamos caminhos e barreiras para conseguir ou ludibriar. Ninguém, absolutamente ninguém é imune ao sonho, a idealização, nem na construção daquilo que precisa.

Até mesmo um homem, mas de pai divino, duvidou. Mesmo sabendo do plano superior traçado até mesmo antes do seu nascimento, na hora de maior dor e desespero olhou para cima e perguntou: Pai, porque me abandonaste? A dúvida, tal como a certeza, fazem parte dos nossos jogos mentais, e não é nada estranho o facto de que muitas vezes, os que mais usam os neurónios e a massa cinzenta são aqueles que mais demonstram desconforto e dúvidas naquilo que sentem e do que acreditam.

E se tudo isto é uma grande fantochada?

Há uma vertente entre filosófica/religiosa que acredita que tudo é apenas uma ilusão. Eu não existo realmente, nada existe realmente, tudo é a penas um sonho de deus e que quando ele acordar tudo acabará. Deve ser muito reconfortante para as pessoas que acreditam nisso, assim sentem-se desresponsabilizadas do seu papel no mundo. Afinal das contas, nós somos apenas fruto do subconsciente do criador. Desresponsabilizadas na influência que geram nos outros, nas palavras que deixam ficar penduradas sem grande significado. E nem podemos culpar o criador das escolhas calhordas que faz  dos enredos que nos afectam, meros participantes dessa alegoria produzida pelo seu subconsciente. Boas e más acções são apenas, nesse caso, uma parte do enredo fictício criado para descansar o bom pai. Sportinguistas, sintam-se tranquilos, é tudo uma ilusão!!!

Saber diferenciar a ilusão da realidade através da percepção será tão enganador como criar uma verdade solipsista. Ninguém tem a chave desse conhecimento total, e a bem dizer, não acho que beneficiaria ninguém. Talvez a gazua será perceber o quanto nos sentimos muitas vezes sós e miseráveis; das vezes que a rotina é pouco para satisfazer as nossas mais prementes necessidades. Crer e duvidar faz parte desse intrincado mundo mental. Aceitar tudo de bandeja, como uma verdade absoluta é tão errado como duvidar de tudo e todos. A água vai ser sempre água, salgada ou doce é água e a macieira vai dar sempre maçãs. Eu posso ver em cada pessoa só o engano e a falsidade, mas também posso ver esperança e possibilidades. Sem certezas, apenas a mera possibilidade de saber ouvir, e mesmo sem perceber bem , dar o benefício da dúvida. Duvidar, na medida correcta, possibilita abrir portas para novas ideias, novos rumos.

E há quem se sinta feliz de tomar a pílula azul,dando uma vida ilusória e fabricada por uma inteligência artificial dum mundo que não existe. Ou posso tomar a vermelha e sentir o sabor agridoce de viver na realidade. Cada qual é feliz como precisa e quer.

E com tantas filosofias, ninguém descobriu a resposta exacta das verdades. Continuamos a procura, e vivendo o melhor que conseguimos. Na verdade, as palavras pequenas e fáceis são as que carregam as maiores verdades...


Apareçam

Rakel.


* o cinismo, no real sentido da palavra, era uma corrente filosófica que baseava-se na vida vivida em virtude e de acordo com a natureza. Só muito depois o cinismo foi associado à descrença na sinceridade ou nas motivações altruístas da humanidade.

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