Pedra, Papel e Tesoura




Desde que um cavernícola encostou a mão toda ensebada e cheia de porcaria numa parede e viu a impressão da mesma lá, com os cinco dedos e a palma como marca, a humanidade procurou meios e mais formas de deixar suas marcas e comunicar . Estes primeiros cronistas, usavam das cores e formas o modo de contar a vida e a morte que, felizmente, ainda hoje podemos ver em alguns lugares, perfeitamente preservados (as pinturas, não os cavernícolas).

O facto de que, passados milénios termos sido capazes de codificar palavras e pensamentos de forma escrita é espantoso. E foi de tal forma espantosa essa forma de comunicação, que o facto de pouca gente saber ler e escrever não tinha tanta relação com a capacidade ou o status social, mas o papel sagrado dessa forma de codificar e descodificar o pensamento. Essa cena que toda gente acha piada, de passar todo o pensamento de uma pessoa para um PC e ele continuara pensar, foi imaginado pela primeira vez quando decidiram deixar o primeiro rolo de papiro com os pensamentos e filosofias de quem pensava  e via o mundo. Era uma forma de perpetuar as suas palavras e pensamentos para um tempo infinito e passando e ultrapassando a barreira da língua, do tempo (e as suas diversas traduções) e da geografia.

Por isso Plínio e Platão ainda hoje são lidos. E até mesmo antes do papel, Gilgamesh e Ishtar eram-nos apresentados em pedaços de argila moldados com palavras e sentidos. As palavras são, sem dúvida alguma, a forma pela qual o mundo rege-se e percebe-se. Se é uma forma sagrada de comunicação, não sei, mas considero-a muito importante. Cada dia que passa, considero a sua importância cada vez maior conjugada com outras formas de expressão: a dos actos e gestos. Quantas vezes são aquelas em que das palavras não continua na acção e quantas vezes a palavra não encontra eco no gesto e no olhar.  Imensas são as formas que conseguimos juntar estes símbolos e letras expressando as nossas iras e apelos; nossas divagações poéticas ou uma prosa descritiva e jocosa. Colocam-se sorrateiramente as fragilidades ao ar, para depois serem recusadas por palavras que pedem em troca de algo mais primitivo e mais intenso, embora dure pouco. Nem o fraco nem o intenso, pede-se o mais difícil, a palavra franca e honesta. Presente, nos dois sentidos.

É no entanto preciso de alguma astúcia e engenho para formar enganos, sarcasmos e cinismos; estes carecem de alguma inteligência para serem percebidos cada um no seu significado e isso acaba por fazer  das palavras algo mais do que uma diversão de trocadilhos  ou segundas intenções. E pergunto-e muitas vezes, para quê dos eufemismos, quando dão sempre mais voltas e revoltas se dão aos sentidos e desvios de assuntos incómodos ou aos quais não se encontram respostas.

Já tentaram tornar as palavras e as línguas numa só, pensando assim que tudo seria mais fácil de resolver, de que ninguém estaria acima de ninguém e que tudo e todos se compreenderiam. Mas ainda está longe esse dia, até porque o que está a dar agora são as  carinhas com lágrima, cocós, palmas e sininhos a querer dizer qualquer coisa em estilo hieróglifo-pós- apocalipse-zombi.

Quanto mais vejo o desperdício de palavras, de como desencantam-se afectos pelo desconserto da semântica ou em honra de um verso decassilábico perfeito, rimado em cada fuga, cada ausência de resposta, dá-me pena desse esforço tão grande de desaparecer sem deixar traço ou pelo menos o ponto final.

Acredito que a simplicidade, na palavra directa.  Sem artifícios, sem a glorificação de uma inteligência sem paralelo. Tanto atavio é fuga, é muro e limite. É a placa a dizer : se não percebe, afasta-te! A palavra solta-se, voa, mas perde o gesto e a acção.

Se aquilo que um homem pintou no fundo de uma caverna há mais ou menos 100 mil anos foi uma forma de contar a sua vida; se em cada carta ou postal foi colocado um pedaço de sentimentos e saudades; se a simplificação do rir ficou-se por três letrinhas alienígenas e atrofiando a língua em abreviações descabidas, se tudo isso é comunicar, porque falamos tão pouco entre nós? É que para tal, sempre houve a necessidade de três factores: emissor, veículo (mensagem escrita, falada, cantada pintada,esculpida ou outra) e um receptor.  Na falha de uma destas coisas não há comunicação. Sem mal entendidos, só fiquei sem respostas.
Num futuro até bastante próximo, tenho que encontrar maneira de dar estas respostas. E não posso deixar dúvidas, tenho que procurar bem as palavras, escolhe-las com cuidado para quando chegar o momento devido, poder dizê-las na total simplicidade de sempre.



Mi neniam forgesis vin.


Apareçam


Rakel.

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