O Estranho Mundo dos Filhos de Marte





Costumo dizer que os adultos em geral e sem separação por sexo, são crianças grandes apenas dotadas de meios de conseguir brinquedos mais caros e maiores. Quem nunca viu uma beiçola descaída num marmanjo depois de assistir a derrota da equipa de futebol; quem não viu a fúria nos olhos e a voz em crescendo vulcânico por causa de uma raspadela na porta no carro (ok, tem apenas uma ano o popó, e aí?) do lado do condutor? Os problemas com brinquedos e o jogos levam o adulto mais ponderado e capacitado a tornar-se no mais chato e embirrento dos "putos".

Vai daí que, caindo do pedestal do pragmatismo masculino, dessa visão simples e que paternalista, os filhos de Marte vêem o mundo feminino (elas não percebem, o mal delas é... e coisas do género) como se fossemos a menina de cinco anos com os sapatos de salto alto da mãe e a boca esborratada de batom a brincar de adulta, temos o senhor Otou Katayama como um digno filho de Marte.

O senhor Otou, não fala com a mulher há mais de 20 anos; quando digo que não fala, é do tipo nada mesmo. Acena com a cabeça quando ela lhe faz uma pergunta, grunhe quando se sente muito generoso. O motivo? Bom, acho que é tão bom como qualquer outro motivo de birra: ele sentia ciúmes do tempo e da atenção que a mulher dedicava aos filhos...



Então por partes: temos aqui um homem apaixonadíssimo, dirão muitos, que apenas queria que a mulher da vida dele dedicasse todo o carinho e atenção nele. Aí, essa cabeça chocha de mulher, faz o primeiro filho, sei lá...com o dedo? e nasce essa criança chorona, nua, filho do casal Katayama. Como essa criança não é um bezerro ou borrego que se põe de pé e começa a mamar sozinho e vive desfraldado, a senhora Yumi dedicou-se a criá-la, a dar afecto e atenção àquela criaturinha, que, não se esqueçam, ela fez com o dedo ou intervenção divina, deixando o Otou à toa...   :)

Contando com a perspicácia, a apurada inteligência e um instinto masculino fabuloso, o casal teve não um... mas 3 filhos, fazendo com que a tarefa da senhora Yumi fosse cada vez mais difícil e aumentando as probabilidades do senhor Otou a ficar cada vez com menos atenção. Uma aposta lógica dentro dos parâmetros e das ambições do senhor Otou.

E qual foi a melhor maneira que este homem encontrou de fazer com que tudo desse certo? Parou de falar com a mulher. Silencio total. Pergunto-me porque não tentou ele a birra de parar de respirar. Ou de cruzar os braços e colocar-se virado para a parede e responder aos repelões. Ou deixar de comer de todo... vejam lá a economia que não seria.Vinte anos sem dirigir a palavra, responder ou manter uma conversa com a mulher. Por outro lado, numa lógica que escapa ao cérebro feminino, conversava e falava com os filhos, sendo um pai atencioso; mas a mulher? Naáááá... não há cá conversas.

Na minha modesta opinião e conhecendo até um caso em que um tipo teve um comportamento parecido aquando do nascimento da filha, fica patente que alguns filhos de Marte não procuram uma companheira de vida, mas sim uma mãe com quem possam  ter um laço edipiano livre dos julgamentos sociais. O que realmente me dá nos nervos, é dona Yumi não o ter mandado à pata que o pôs. Talvez, como tantas representantes das filhas de Vénus, ela sempre imaginou que um dia o Otou iria mudar, pedir desculpas pelo comportamento de merda, e que viveriam felizes para sempre.

Agora, com os filhos crescidos e prontos para se fazerem à vida, o casal fica com uma perspectiva interessante: ele afirma, que mesmo passado este tempo, já não há volta a dar e vai continuar com o voto de Carmelita Descalça. Ela por outro lado, vai falar com esse mono de birra pelo resto da longa esperança de vida nipónica ou até que o Seppuku (o suicídio honroso) os separe. E isso...é um casal, uma união perfeita.

E porque não? Vendo bem, pela perspectiva do quem cala consente, eu no lugar da senhora Yumi ia fazer da vida do otário Otou um inferninho do catano. Seria um mundo de possibilidades a explorar que o tempo, agora com os filhos crescidos, sobra tempo, né? faria um verdadeiro exercício de imaginação, onde tudo pode. Faria dele o meu campeão nas provas do jogo Vaca Amarela, ou então, perceber os efeitos do excesso de wasabi numa pratada de yakisoba. Faria dele o meu "guarda lugar na fila" de supermercado ou na Segurança Social.  Ou talvez...colocar uma cúpula de abajur na cabeça dele e deixá-lo criar maneiras de encontrar a luz da razão num canto da casa. E deixa-lo lá a tratar da vidinha parva dele.

Na verdade isto teria um largo espaço para sair do caricato entrar em águas mais profundas, das expectativas que cada um carrega para uma relação ou a forma madura ou não de encarar as mudanças da vida. Poderia também ser uma maneira de pereceber que há pessoas mais sensíveis no que toca os afectos e que não sabem gerir bem, ou até falar sobre o assunto, com o par que escolheu. Há também a possibilidade de que, honestamente, seria mais feliz apenas com a mulher ou homem que escolheu na vida, mas que aceitou a maternidade ou a paternidade como forma de cumprir o "Plano" a que todos estão sujeitos na sociedade (estudar, trabalhar, ganhar dinheiro e sucesso, casar e ter filhos). Nem toda gente nasceu para ser pai ou mãe, e mesmo que isso aconteça, se ressente pelo facto de não ser o primeiro da fila, o único no pensamento. Que haja falta de maturidade emocional, é um facto. Mas por outro há sempre a falta de diálogo que leva sempre à mau porto muitos relacionamentos. Não querem ser pais? Vasectomia é a solução eficaz e que tira logo qualquer tipo de possibilidade de acidente ou de ...querer apenas agradar a outra parte e desagradar-se.

Mas uma coisa deve ficar esclarecida: mesmo quando se apresenta um filho de Marte, dignamente vestido, com um porte viril, majestoso, inteligente até ou aquela aura de "perigoso&delicioso" há um menino que requer atenção, daqueles que seguram a cara da mãe com as duas mãos e pedem para ouvir (olha pra mim mamã) como foi o dia na escola e a briga no recreio. Nunca esqueçam disso, e de nunca, mas nunca façam pouco do clube de futebol que ele torce, mesmo que perca sempre, mesmo tendo Jesus (oremos com os bocejos da sorte) com eles.  Isso é passar um limite invisível e que nos coloca logo no purgatório dos filhos de Marte. Não tem lógica nem pragmatismo, mas assim é.

Apareçam

Rakel.

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