No rádio anunciam que um perigoso assassino, daqueles psicopatas que coleccionam dedinhos dos pés e pontas de nariz, anda foragido e aconselham que tomem-se precauções, pois é perigoso e está armado.
Aí vemos uma mocita, sozinha em casa, numa noite daquelas de trovoada solene, e a luz...PUFFF, falha e acaba por ficar as escuras. Nisso ela vê um vulto a cercar a casa, e ela, em vez de agarrar num telefone, numa frigideira pesada, num taco de baseball... não, ela dá gritinhos e caminha com a mesma suavidade e leveza de um dinossauros nos prados e foge para a casa de banho. Aquela que tem uma porta de madeira e sem janela de escape. E o tipo, lá o assassino psicopata, tem um daqueles machados de cortar sequóias. Canja para uma porta de pladur que com um murro faz logo um buraco e tanto, imagine com um machado.
Sintomático em todo filme de terror que aconteça destas coisas.
Aí, pulando para as famigeradas telenovelas (e tanto faz o país ou a qualidade) tem a megera, a mocinha boazinha e sofredora, o bom rapaz que faz tudo para salvá-la (e ela o vê como amigo apenas) e o mau rapaz ou problemático, que apesar de gostar bué dela...não o impede de machucar o coraçãozinho bondoso dessa menina. A gente vê o começo, pára de ver por uns meses e no fim, é na "mouche": a megera morre ou vai presa, o bom rapaz consegue conquistar finalmente o coração da menina boazinha, sofredora (que entretanto ficou cega, muda e perdeu a memória até que um acto violento a traz de volta ao presente, com a cabecita em ordem, sem coxear e a ver 20/20) e vemos o casamento e final feliz. E chamam de novela da vida real.
Se me perguntarem de como eu acho que alguém deve se servir de uma omeleta de forno (tirar uma fatia da forma), eu diria que seria com uma espátula, ou uma pá de bolo (vá lá, eu aceito opções) mas nunca, nem nos meus sonhos culinários mais desvairados eu iria usar uma concha da sopa. Mas hoje tive a grata surpresa de ver em pleno funcionamento a velha máxima "se eu não vejo, não existe" juntamente com a outra máxima "como não tem tu, vai tu mesmo". Não por falta de espátulas ou de pás de cortar e servir bolo, mas aquele desprendimento masculino de usar a primeira coisa que vê e sem pensar que vai esfanicar aquela preciosidade que dourou e ficou 5 estrelas.
Há situações na vida que parecem clichés de filme; nada é inesperado e tudo se desenrola numa desgraça anunciada ou então numa morna e descomunal normalidade socialmente correcta. Faz pensar se realmente todas as vítimas são obtusas como um pneu, se todas as meninas são sempre boazinhas e vítimas, se todos os maus rapazes (ou problemáticos) não merecem também um final feliz e se uma megera não pode cair em si e tentar reparar os erros. Ninguém é sempre só bem, como também não é só mal.
Mas as pessoas gostam de ver estes clichés, acreditam nos absolutos e opostos, só um conjunto de pessoas merece a felicidade e, o sofrimento até chegar ao Happy End, é apenas para fortalecer a alma e o caráter.
Me pergunto muitas vezes, se nestes caminhos retorcidos da vida, as mentes que se compreendem, das almas que se reconhecem e percebem uma da outra, tem que andar às avessas tanto tempo...e andar a matar a cabeça e as coronárias até ao Happy End. Se isso faz parte de um encanto que eu não percebo, se isso é mais uma daquelas ironias da vida e o modo retorcido do destino, francamente além de não achar graça, não tenho resposta cabal. E quando me perguntam sobre isso, fico ali como quem procura uma resposta lógica e satisfatória, mas não encontro. Nem para aliviar aquele olhar magoado dessa pessoa que anda meio perdida e triste. E não gosto de ver gente triste, principalmente as que conheço e gosto delas.
Não me parece que a idade tenha-me dado mais alcance de vista ou perspectiva de conseguir desvendar o mistério. Nem consigo, perdoem-me, encontrar a resposta certa para as perguntas que aparecem-me na frente, encriptadas. Não gosto de ler entrelinhas, de tentar adivinhar significados e interpretar como meu, num hipotético facto imaginado na distancia do tempo e espaço. Não devo, e acho que não posso, encontrar respostas onde nem sequer há pergunta inicial e crucial. Podemos ser cínicos, cépticos e até sarcásticos, mas há-de chegar o dia que teremos que dizer as palavras certas e ouvir as tais respostas, certas, concisas e directas.
Não podemos ser levados por um determinado caminho, situação ou pessoa sem que tenha que ter um motivo. A vida, bem ela muitas vezes apresenta-nos com uma concha de sopa para tirar uma fatia de omelete de forno. Noutras há quem empunhe um machado e desfaça os nossos sonhos enquanto corremos aos gritos nos esconder numa caixa de cartão prensado. Mas não me dêem uma vez e outra mais enredos velados, nem perguntas ao alto.
Sem clichés, sem desculpas e sem uma voz muda do outro lado. Ando farta de clichés, ando farta de enredos de telenovela com 498 capítulos e esticanço de tema. Não sabemos sequer se amanhã estamos vivos. Carpe Diem.
Apareçam
Rakel.
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