Perdoem-me ou não aqueles que se sentem no direito de pensar que as pessoas nunca estão satisfeitas com o que tem; que num dia reclamam do calor e outros do frio. Que tanto reclamam da chuva como da falta dela, que na falta de melhor assunto recorrem aos caprichos meteorológicos para fazer conversa. O caso não é esse. Meu caso é mesmo amor pelo Outono e Primavera, o meio termo das estações.
Do outro lado do Atlântico, mais a Sul, anda meio povo a reclamar que está muito calor, que uma pessoa derrete; que só pobre gosta de calor; que frio é tempo de coisas aconchegantes e roupas estilosas. E eu aqui a bater a queixada com frio. Socorrendo das palavras de um outro bloguistas (ou blogueiro, como quiserem) num poema antigo escrito pelo próprio em que falava sobre dedos gelados a escrever...caraças, os meus já tem as unhas meio azuladas com esta circulação de sangue tremente.
Ninguém me pegou aqui a tecer pragas ou maldições ao calor, ao conforto e descontracção do calção, do top de cavas e ao chinelo de dedo. Nem falei mal das melancias e melões, do gaspacho gelado e bem temperado ou das saladas e grelhados. Nem dos fins de tarde em que o céu se põe de cores fantásticas e que a noite chega lentamente. Nem da lambuzeira de fazer da caixa de gelado o jantar junto com gelatina; do banho que sabe bem, do cabelo a enxugar sozinho e daquele relaxamento que dá andar descalço em casa.
Nop, eu reclamo mesmo do frio; dessa vontade de comer rancho, feijoada de coelho e sopa de entulho. Do pão caseiro cheio de queijo ou manteiga, do vinho quente com especiarias e do estrago que o arroz doce faz nos lugares errados de acúmulo calórico. Reclamo da luta inglória de um xixi nocturno onde debate-se, em vez de dormir, que se eu me virar para o lado esquerdo a vontade passa e eu não tenho que sair do quentinho da cama. Por falar nisso, dormir com a botija viva que é uma gata espaçosa, que toma lugar e que fica pouco por onde se mexer. Das câimbras, e tudo aos saltos, edredão, gatos e pés num ai ai ai cigano sem viola e palmas a acompanhar.
Do efeito cebola de camadas e mais camadas de roupa, do cabelo a ficar cheio de rastas (e uma pessoa fica com ganas de cortar o cabelo rente ao crânio) por causa dos cachecóis e golas altas de lã; de andar a perder luvas; da patinagem artística nas calçadas e sem público pagante ao espectáculo; do autocarro com aroma de naftalina (sim, ainda) misturado com catinga de falta de banho e perfume. Banho... a odisseia que faz lembrar à uma pessoa, que por muito boa que seja a temperatura da água... a conta do gás e da água não perdoam. E que temos que sair daquela sauna e vestir mais umas 5 camadas de roupa. Outra vez.
Que as casas, as que não são assim tão modernas, não foram feitas para isolar calor ou frio, embora que, lá a da minha avó no Alentejo, tinha umas paredes tão grossas que por muito gelo que tivesse lá fora, não se sentia lá dentro. Do desconforto e o peso de ter que carregar com a lenha lá da garagem até ao 3º andar sem elevador. Da roupa que custa a secar na corda ou que se molha mais uma vez.
Dêem-me a Primavera e o Outono; aguento o bafo de forno do Verão sem chuvas daqui, mas este frio, estes dias de anoitecer cedo, do céu por semanas inteiras de cor cinza chumbo, é dose. Gosto da chuva, que chova de noite e me embale os sono, mas que não me faça rima com a bexiga cheia. Que chova quando eu não tenha que estar fora de casa, mas que não alague a rua e faça xingar os motoristas que não tem respeito nenhum por quem anda a pé e leva com as rajadas de charco.
E me falem lá dessa maravilha que é o Inverno... e não me venham com a conversa de que frio é psicológico: a hipotermia está aí para provar o contrário.
Apareçam
Rakel.
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