Quando o Céu, Se Calhar Um Dia, Cair Sobre As Nossas Cabeças





...e nos lugares mais inesperados, aprendemos a melhores lições.


Medo de barata é estranho, o bichinho é praí mil vezes menor do que nós, com um cérebro vazio de qualquer iniquidade e ideias nefastas de assustar o gigante humano. Mas quando aparece, arranca gritos dignos de qualquer filme de terror sangrento. Já vi homens soltando guinchos dignos de meninas, mas respeito esse medo.

Quando não querem dizer que é medo, dizem que faz impressão; teias de aranha faz impressão; gafanhotos faz impressão...e tudo acompanhado dos tais guinchos e pulos (um verdadeiro sambinha dançado na ponta dos pés) em que o corpo se rebela perante o objecto que lhe dá desconforto.

Medo existe, é saudável senti-lo e não é sinal de covardia. É o medo que faz com que as espécies sobrevivam umas vezes mais que um predador e com bom uso  do seu poder de escape. É o que faz pensarmos duas vezes antes de saltar de para-quedas, de fazer algo que é uma possibilidade apenas, de correr mal.

Aliás, já dizia o druida Panoramix, naquele inesquecível episódio em que os Normandos vão à Gália conhecer o medo (a única coisa que desconheciam), dizia ele que, ter medo não era uma coisa ruim, mas enfrentá-lo era a verdadeira coragem. Por outro lado, num determinado episódio desse sucesso que foi a saga do Harry Potter, dizia Dumbledore numa conversa do Harry, que não dizer o nome do Voldemort era uma forma de ser dominado pelo medo. E toda gente se encolhia quando alguém não chamava essa cria do capeta de "Aquele Cujo o Nome Não Deve Ser Pronunciado".

Quanto mais simples é a nossa forma de encarar as coisas, mais facilmente também percebemos que sofrer por antecipação é a coisa mais odiosa que pode existir. Muito bem, percebe-se que sofrer não será o que encabeça a nossa lista de desejos de felicidade ou daquilo que queremos para nós. Foi isso que fez nascer as epidurais, os chapéus de chuva e os preservativos. Defesas contra uma possibilidade ou uma quase certeza de que poderá correr mal ou nos fazer sofrer. E na verdade, quando chega a hora fatal, há a possibilidade de não ter anestesista disponível, de chover quando não temos chapéu de chuva (ou o esquecemos em casa, afinal o dia estava lindo, né?) e no auge da actividade sísmica mais poderosa dos últimos tempos não há um pacotinho disponível para alegria geral do par em questão.  E aí o medo e o desconsolo atacam, fazendo com uns gritem de dor, outros xinguem até a quinta geração de S.Pedro e que o resto acabe tudo... na mão, na pior da hipóteses. Mas por outro lado, até pode ter o alívio da dor com a ajuda do anestesista; poderá estar a tomar um café num lugar novo esperando que a chuva passe ou acender um cigarro, se houver forças, depois de um prazer partilhado. Podia correr tudo mal...mas também pode correr tudo bem.

Mas há quem escolha futurar desgraças, prever o que não pode ser previsto e apostar as fichas todas na certeza do falhanço.

Ter medo por antecipação faz com que coisas que ainda nem sequer tem hipóteses de acontecer virem um verdadeiro inimigo a evitar. Muito mais fácil será criar um certo número de expectativas, um ideal de certas circunstâncias que sejam seguras e distantes da realidade, porque a realidade é sem dúvida muitas vezes diabolicamente retorcida. Nesse caso, o mínimo basta para o sentir tanto; imaginar que algo poderia ser de algum modo estragado faz com que se meta dentro de uma redoma ou frasco, só para que nada mude. E isso é o menos de um todo cheio de incertezas. Na falta de garantias positivas, apostar em evitar os problemas será então um modo de vida, de viver com medo por antecipação e perdendo a possibilidade de experimentar. Mesmo que não seja um resultado 100% positivo, até poderá ter o proveito de uns bons 70% felizes...mas e se não dá certo? O custo posterior? O sofrimento? Pois, o sofrimento; sofre-se menos apostando no menos, no imaginário idealizado?

Vamos pegar então na barata, o insecto, que comummente, deste lado do Atlântico é pequena e não muito fácil de encontrar. As dos climas mais quentes, são as chamadas de baratas de quilo, mais que muitas e voam...umas atrevidas do catano.

Então imaginemos a Maria Juerma, uma moça que tem uma casinha pequena mas acolhedora, muito arrumadinha, mas que tem pavor de baratas. Então a Maria Jurema, cautelosa como é e tendo só a imagem da barata horrorosa na cabeça, abre cada armário e cada gaveta da casa armada com um taco de basebol, não vá o capeta tecê-las. Não há barata nenhuma, e mesmo que houvesse, imagine-se no lugar da desgraçada: ela ali no armário, descansada da vida, num mundo silencioso e pacífico. Aí uma criatura gigantesca, abre a porta do dito armário, arregala uns olhos enormes e abre uma bocarra cheia de dentes largando um guincho de 300 decibéis. Se ela não desata a dar voltas feita uma barata tonta com esse susto, morre de enfarte. Mas não existe barata nenhuma e a Maria Jurema vive em permanente medo delas e até uma uva passa faz com que o coração dispare e sue frio. E a Maria Jurema vai chegar aos 70 anos de idade, com um armário cheio de latas de insecticida,(que isto da artrite já não aguenta com o taco de basebol) e sempre com medo de abrir gavetas e armários que não usa muito...por causa de uma hipotética baratinha. Vidinha condicionada por um possibilidade remota, vivendo em medo permanente de sofrer um susto que depois até passa.

E tal como os gauleses daquela aldeia na Armórica, irredutível e que César aprendeu a respeitar, esses, mesmo entupidos de poção mágica ainda temem, não as legiões, mas que o céu lhes caia em cima das cabeças; fugir de uma possibilidade improvável, será algo desconcertante de aceitar.

Fugir, para evitar sofrimento, esconder-se num quarto e deixando a vida passar, não acreditar em nada, ou melhor, acreditar que nada virá de bom, porque toda gente é rasca e falha. Por medo de não ser capaz de fazer melhor, por medo de falhar e meter o pé na argola; por medo de que a vida não corresponda às expectativas; e vivendo menos de metade de todas as possibilidades.

Me parece, e corrijam-me se estou enganada, que na maior parte das vezes as coisas são divididas em meio a meio. Tanto pode dar muito errado, e aí, é levantar a cabeça e seguir em frente, ou então pode dar tudo certo, e aí...ena, estamos felizes.

Não será que já está na hora de abrir esse frasco e dar uma oportunidade de ver se, pelo menos, calha os tais 50% bons? Não há um nica de curiosidade nisso? Ou pensar que tudo o que já viveu deu-lhe estaleca para saber entender o bom e o menos bom? Esse fugir antes que tudo se estrague...é tão pouco. Será que esses 50% de possibilidade de uma plenitude a 100% não velem a pena de correr o risco?


Apareçam

Rakel


Comentários