Como podemos classificar a arte? Se for o caso, podemos considerar fora da explicação dos dicionários e enciclopédias que definem apenas como algo como "manifestação humana estética ou comunicativa". Arte para mim é qualquer forma de fazermos algo que exprima as nossas sensações e percepções.
Se formos classificar arte, coloca-la nos escalões de tipo, parece que já de começo limitam as possibilidades. Não será de menos prezar um prato culinário de uma peça de joalharia ou um vestido, desde que seja uma forma de expressão, de invenção ou renovação. Poderíamos ainda estar no Lago dos Cisnes, de tutu e sapatilhas e nunca um Stravinsky faria um Pássaro de Fogo ou tiraria dos seus sonhos uma Sagração da Primavera. Nem Isadora Duncan faria da dança algo de inovador, saindo completamente de cada passo repetido e estudado de cada peça de balé.
Criatividade exige espaço, ultrapassar conceitos estabelecidos, por vezes chocar, surpreender, ousar e insistir. Sem isso, ainda estaríamos a pintar nas paredes como faziam os nossos ancestrais, tendo como divertimento dar mocadas uns nos outros; se bem que hoje, a arte urbana permite que o graffiti seja agora o grande mural dos criadores de arte. Não é o janado "Amo-te Vanessa Andréia" que se pinta apenas por exaltação do amor juvenil, isso é apenas um apontamento.
Mas a arte, principalmente aqui, vem sendo tratada como a irmã ranhosa das necessidades do país; não se pode culpar só este Governo (que já foi antes, volta a ser, alternando a cadeira do poder conforme a abstinência do voto popular), mas todos os anteriores que foram tirando bocado a bocado a dignidade da classe. Parece que é uma conspiração que apenas favorece o mais fácil e mais comercial. Os milhões investidos para salvar a televisão pública há uns anos poderiam ter sido melhor entregues às outras artes. Há boas bandas, há bons músicos; há bons artistas plásticos, há excelentes arquitectos, reconhecidos chefs de cozinha, estilistas. E muita gente que trabalha na base do amor à camisola.
Saber que um dos mais emblemáticos grupos de teatro do país, a Cornucópia, baixou o pano pela última vez, será no mínimo um golpe forte naquilo que é a identidade da cultura de palco. Tive o privilégio de ver, no meu último trabalho, processos criativos de artes cénicas, com grupos de teatro amadores que arranjavam tempo depois do trabalho e da família para ensaiar, fazer os cenários e colocar em palco aquilo pelo que tinham devotado o tempo deles. O gosto e o desafio de estar em palco e transmitir não só as palavras como os sentimentos. E essas apresentações enchiam as salas por onde passavam.
Isso quer dizer que, embora os sucessivos Governos insistam em diminuir o apoio às artes, o público continua fiel ao gosto pelo teatro, bailado e aos concertos. Assisti em primeira mão o esforço e sacrifício pessoal e mesmo assim ao empenho de toda gente. Só posso deduzir que aquilo que os Governos pretendem é escolher no que preferem investir, além das rotundas, como cultura no país.
Ou então estão decididos a nos colocar feitos grunhos e mais facilmente manipulados pela pequena tela da T.V.
Espero sinceramente, que haja quem pegue na Cornucópia e volte a dar-lhe a dignidade que merece; espero sinceramente que as fundações que tanto recebem do Estado. espero mesmo, que comecem a fazer alguma coisa mais do que uma festa de gala de angariação de fundos. Espero que façam mais pela cultura, que criem incentivos e projecção aos novos talentos e que não deixem de recordar aos mais novos os grandes da cultura neste país.
Num mundo perfeito, os que conseguem fazer dos pensamentos e sentimentos algo de vivo e palpável, na mistura de cores, formas e cheiros; nas linhas e rendas, nas paredes e pilares, com ouro e prata: nos versos tirados da alma, da foto em primeiro plano que conta mais que palavras ou a ferocidade do ferro e aço, estes artistas de tornar o imaginário em matéria, teriam um lugar melhor.
Apareçam
Rakel.
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