Geração Marmita - Quando Menos é Mais




Há uma dezena de anos atrás, levar marmita para o local de trabalho era sinónimo de sovinice ou então de pobreza declarada pelo baixíssimo salário. A alternativa sempre foi comer perto do local de trabalho, tendo inclusive alguns restaurantes a gentileza de fazer um preço mais catita aos grupos que sempre vinham almoçar de Segunda à Sexta. O tempo passou, os preços dispararam, sobe tudo menos o salário. Fazendo as contas, acaba por sair mais barato levar de casa e poupar o subsídio de almoço e come-se aquilo que fez e sabe como foi feito.

O que ganhou o marmiteiro em economia pessoal e convívio (agora toda gente se reúne em piquenique marmiteiro nos refeitórios), perdeu o comerciante em negócio. Os restaurantes esvaziaram, por lógica então, não havia necessidade de ter 5 empregados a servir, nem estar  aberto o dia todo. Mais gente no desemprego e hora certa para servir refeições.

Embora aquilo que toda gente vê como simplicidade na caixinha hermética de comida, há um universo gastronómico interessante, variado e até criativo. As lancheiras térmicas são recheadas com muito mais do que uma sandocha e uma maçã.

Mas até que ponto as pessoas estão dispostas a viver uma vida simples, sem grandes bugigangas, roupas e adereços? Pois, é uma questão bastante pessoal e digna de perguntar até que ponto a opinião dos outros é importante ou como ela influencia as nossas escolhas.
Fatal como o destino é aquela sensação incómoda que muita gente tem de repetir roupa; parece que é cometer um pecado sem redução de penitência. E nisso, nós as gajas somos um alvo fácil...até mesmo dentro da nossa própria irmandade. E vai daí que repetir calçado, roupa e corte de cabelo é como se fosse uma evidente falta de vaidade, uma preguiça assoladora e mil e uma conjecturas da nossa saúde financeira. O pior, sem dúvida nenhuma, é o inferno de épocas e épocas ali penduradas no guarda-fatos, dos milhentos sapatos que já foram um must e que agora são tão...credo!!

Até que ponto parecer uma sofisticação que é só verniz é mais importante? Até que ponto juntar dinheiro para ter mais dinheiro para comprar e substituir objectos que até funcionam perfeitamente é uma boa opção? Dirão alguns que isso é o motor de uma economia saudável de oferta e procura; é aquilo que faz os especialistas de marketing viver com uma I.V de cafeína metida no braço e a desencantar maneiras de nos fazer querer ter mais, melhor e maior.

Algumas pessoas estão mudando de opções, muitas procuram a simplicidade de vida que ultrapassa as hortas de varanda e o reaproveitamento de frascos e revistas: é a redução drástica de objectos. Alguns percebem até que viver sem dinheiro é possível, embora com as suas inconveniências modernas.



O fotógrafo Thomas Peter fez um trabalho interessante sobre os minimalistas japoneses, num país onde a tecnologia esbarra com a tradição e a necessidade de sucesso; mostrou que mesmo pessoas com um bom nível de vida optam por ter o essencial para viver. Não há cá serviço de mesa para 24 pessoas; não há o serviço de copos de vinhos; não 250 bibelôs de fadinhas em cima de uns naperons. Não há closet atulhado de roupa nem prateleiras até ao tecto com sapatos de todas as cores e feitios. Duas tigelas, dois pares de hashi (os tais pauzinhos para comer), duas colheres e já tá de bom tamanho. Se há amigos para jantar ou almoçar, faz-se num restaurante, dando então um contributo à economia. Em vez do quarto mobilado que ultrapassa os "miles" há o futon (é colchão no chão que depois enrola-se e guarda-se no armário) e usa-se esse dinheiro para por exemplo... sair, viajar, aprender a saltar de para-quedas, ir à concertos.



Muitos fazem da casa apenas o espaço de dormir e descansar de formas até estranhas: um jogador de basebol, que até ganha bem, a viver num pão de forma. Chega-lhe e não se sente na obrigação de ostentar que é "cheio da massa". Há até quem não tenha cheta nenhuma e veja-se obrigado a pegar no que há e fazer disso o seu lar, confortável e amigo do ambiente. Mas a forma mais desapegada de viver, será talvez daqueles que abdicam ao máximo a viver sem dinheiro, vivendo do que produzem e na troca de  trabalho por alimentos e roupas. Heidemarie Schwermer, uma mulher que até vivia bem na sua profissão de psicóloga resolveu deixar de viver com dinheiro, e não anda na indigência. Passados 17 anos desta opção de vida e ideologia, continua a viver bem, a ser feliz ao seu modo e na frugalidade de uma vida simples e descomprometida e descomprimida.

Um bocado por todo mundo, muitas pessoas tem optado por andar com pouca bagagem, de desligar-se do carro do ano, do último modelo de Iqualquer coisa de última geração que explode, do carro que estaciona sozinho... e vejam lá, até está ao alcance dum satélite para ser hackeado por um engraçado qualquer que não tem outro divertimento senão esse. Correm mundo e não acumulam coisas, mas sim experiências, vivências. Aprendem lições de vida e que as coisas mais simples são no seu fim, as mais preciosas. Não é o sapato de sola vermelha que custa o equivalente a prestação da casa. Não são os 50 tops colocados religiosamente em degradê no closet; Nem o serviço de mesa da Companhia das Índias que era da vovó Alzira e que nunca se usa, porque.. então, e se lasca um prato?



A pressão constante de viver em estado constante de sucesso, de ter o melhor e parecer o melhor tem enchido a nossa vida com tantos e constantes estímulos que desapercebemos a passagem do tempo, das pessoas e do mundo que nos rodeia.

Talvez a marmita seja a forma mais ingénua de simplicidade e despreocupação com o aparente valor de posição social ou desafogo económico. Uma casa atulhada até ao tecto de coisas valiosas e intocáveis não será com toda a certeza o que levaremos para a cova. Acho que o sucesso na vida é a capacidade de poder viver coisas diferentes e encontrar momentos felizes. Não é o relógio com 3 mostradores (e houve tempos em que perguntar as horas dava espaço para grandes conversas e encontros); nem o livro primeira edição do Guerra e Paz numa vitrina (e as bibliotecas, minha gente?) rodeado de temores de roubo e do tempo.

Será, na minha opinião, mais  rico aquele que munido de uma mochila se veja diante dum templo com mais de 4 mil anos na Índia e depois acabar num restaurante comendo caril de lentilhas e arroz usando os dedos. Os ricos de coisas absurdamente caras geralmente acabam maníacos do desconforto de não saberem que quem está ao lado deles é por eles... ou pelo dinheiro e fama?

Isto é só uma ideia...

Apareçam

Rakel.

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