The Night All Angels Cry




No post anterior, falei dessa epidemia que espalha-se como fogo na palha, que é o medo do nosso interior ser descoberto. Temos realmente uma cagufa enorme de deixar ver e perceber os nossos recantos interiores e nem sempre muito iluminados. Na falange masculina é então ainda mais complicado de lidar com o tema, visto que há esse preceito de que homem é um ser indestrutível, uma fortaleza inexpugnável e de emoções controladas ao milímetro. 

Temos que admitir por antecipação, que não somos assim tão valentes, tão certinhos e que temos um lado obscuro e nada convencional. Portanto, nos moldes em que a sociedade categoriza, rotula e aceita, lados escuros não existem, nunca existiram e se existem, fazemos de conta que nunca de tal se ouviu falar.

Mas está lá, acenando dizendo um olá bem audível, mesmo que discretamente encoberto pelos nossos sorrisos, pelos nossos gestos dóceis e afáveis, há um lado perverso, maníaco, egoísta e retorcido que fica excluído da nossa vitrine interior. Vai para a cave poeirenta e trancada a sete chaves. Só podemos mostrar as nossas coisas boas, mesmo que sejam artificiais.

Até que ponto há coragem de expor o interior para lá da capa exterior, é já um assunto sério; esperar que a totalidade desse interior misto de luz e sombras seja entendido é outra; ficam então muitos furos acima a aceitação, da parte de quem descobre esse todo, dessa nossa decoração de interiores. 

Andei a ler posts mais antigos, de uns 3 ou 4 anos atrás para ter a certeza que aquilo que eu estou a escrever agora é mesmo aquela certeza que tenho como ideal, como uma certeza inabalável. Acabei por me aperceber, que durante estes 6 anos neste blog, depois de subidas e descidas emocionais, entre o riso, sarcasmo e reflexão, seja em qual desrtas emoções se espelham os posts, aquilo que eu vejo e revejo é o mesmo.

Pelo jeito, num modo geral, ser honesto consigo mesmo e com os outros é um exercício pouco feito, já que o modo aceite é o teatral. Aquele cansativo e repetitivo modo de vida de aparências. Dizia o actor Nicolau Breyner, que não gostava muito de fazer teatro pelo facto de ter que repetir sempre as mesmas falas e gestos. A repetição de actuações  é algo que me irrita até a 5ª casa decimal.  Lamento, mas tudo que seja previsível tira-me o ânimo.

Escolhas, a vida é feita mesmo de escolhas difíceis e complicadas de gerir. Há um lado nosso, que se calhar o resto do mundo pensa ser egoísta, que quer, ou melhor dizendo, precisa ser aceite na sua totalidade. Lado de luz e de escuridão, ambos aceites por igual e tratados como aquilo que somos, pessoas imperfeitas.
Mas há no entanto um outro lado que precisa, por força das normas sociais e politicamente correctas, de ser aquilo que os outros aceitam: a perfeição artificial. Fazer a escolha é o busilis da questão.

Quando teimosamente escolhemos ser honestos com a nossa natureza dupla de luz e escuridão, fragilidade e força, quando conseguimos a proeza de encontrar paz e equilíbrio nesses dois pratos da balança, quando se jogam fora as máscaras e atavios de palco, encontramos-nos num local bastante isolado, solitário até.  

Pensará quem me lê agora que a solidão é apenas o lugar comum dos que decidiram espetar o dedo do meio aos preceitos sociais e que decidiram ser uma ilha. Enganam-se. Também os que se prestam ao palco e as representações sentem o vazio dessa solidão. Do estar a dar-se incompleto, pela metade e não da forma como também gostaria de estar a ser visto: como um todo.

Pela metade irrita, é pouco, não chega e faz a alma pedir por mais; e quantas vezes estas vidas ensaiadas e com o texto na ponta da língua, sorriem sem que isso lhes chegue aos olhos? Quantas vezes procuram nos outros, que não são deles, a parte que lhes falta, mas só também aos pedaços, já que decidiu continuar a peça escolhida e que o público aplaude?

Tu me perguntas as razões pelas quais as pessoas fingem. Me perguntas pelo motivo que ser quem somos realmente incomoda tanto aos outros. Se há resposta para isso, será talvez esse mito que nos impõe de que somos sempre fortes, sempre no reino da luz do "senhor" e que não há recantos negros, tristes e solitários. Mas há que reconhecer que há uma força incrível e de valor em primeiro sermos honestos com a nossa própria consciência; que não há vergonha maior do que viver uma vida em que se diga que "é isso que esperam de mim."

Se há alguém realmente honesto, é aquele que, mesmo sabendo o custo desta escolha honesta diz  "estou-me nas tintas para o que os outros pensam". Não é uma vida nada fácil, mas traz grandes surpresas e mais felicidade do que os actores de palco viciado.

Este post é para ti, que escolheste a via mais difícil e menos compreendida do mundo, mas a mais honesta de viver.

Apareçam

Rakel.


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