Os Pedaços dos Outros Que São Meus



Num momento qualquer na vida, tirando aqueles em que nos afirmamos conhecedores do nosso eu fantástico e pouco percebido pelos demais, que nos perguntamos de onde raios temos determinadas acções e apelos. A questão é das afinidades que não percebemos, que não encontramos rima nas vivências familiares mas que são por demais evidentes e vívidas. Não percebemos ou então, facilitamos as coisas e deixamos que o passado próximo seja apenas a única marca ou resposta que nos defina. Os nossos antepassados.

Ando a fazer um trabalho de pesquisa sobre a família, um legado para deixar aos meus filhos e para minha sobrinha, curiosa com tudo que gire em volta de histórias rocambolescas, os rebeldes e os progressistas da família. À esta pesquisa juntou-se o meu caçula e a minha irmã, que pelas viagens que vai fazendo, vai descobrindo detalhes interessantes. Um dos ramos vem daqui do lado, em Espanha, de onde se percebe o começo lá pelo século 12, com um tipo de pêlo na venta, que não achava gracinha nenhuma um rei que dá e depois tira. Levantou o dedo do meio e veio viver para este país vizinho que o acolheu e deu-lhe condições de proliferar como um coelho. Aliás, faz parte do folclore actual da família, um primo meu danado pra fazer filhos e que mesmo nestes tempos difíceis, já conta com 9 deles, uns dentro outros fora da legitimidade. Tem cá um "mojo" do caraças...

Outro ramo, consigo chegar até 1740, um outro, aquele que é o meu apelido, que vem do alentejo, dos meus avós maternos e que perpetuo por falta de quem o faça... foi um surpresa total: 300 A.C, no tempo que estes lados eram o foco das legiões romanas e que andavam por aqui a porrada. Explica-se em muito o meu hábito de falar com as mãos e o meu proverbial mau feitio quando dão-me o dito por não dito. Mas... e se recuar um bocado mais? Vou acabar nessa irmandade mundial ditada por Adão e Eva? Ou há na verdade uma mãe primordial?

Há uns 10 anos mais ou menos, comprei o livro do Gérard Lucotte - Eva Era Negra, foi depois de ter lido o livro que decidi o meu nome aqui no blog (niger = negra, sem desmérito), porque no fundo, somos todas filhas da mesma Eva primordial, uma macaca que evoluiu para sapiens, que gerou uma prole que iria começar a seguir para norte e espalhar-se pelo mundo. Por isso, as aporrinhações de todas as mulheres, além de nos fazerem irmãs de causa, tem o reflexo espelhado em eras e eras de evolução e vida em comum com os neandertais masculinos a correr sempre hipnotizados por uma bola, seja de futebol ou de pokemon. Dantes caçavam mamutes na unha, agora andam de telemóvel na mão, as duas da manhã e "esquecem" de despejar o lixo...por causa dum pikachu. Francamente...




Dentro dessa pesquisa sobre análise do "de onde viemos e para aonde vamos" esbarrei numa moda que não tem rima com os zombis que andam a catar pokemons e que acham que, afinal, até serve para sair de casa e fazer exercício. Isso é assunto para outro post. Nop, esbarrei com um movimento de pessoas que fazem testes genéticos para descobrir a sua ancestralidade, as raízes de cada um. E o cada um... acaba em todos e num denominador comum: África, o berço da humanidade. Do mais branquelo anglo-saxão, ao francês mais empertigado e orgulhoso das suas raízes, há a gota negra flutuando no sangue e impondo a sua presença sem apelo nem agravo. É genético, é ciência...uma mistura que, até é divertido, deixa a marca dos Ibéricos bem patente em cada raça que se considera pura e conhecedora do seu passado. A explicação é simples e coloco até mapa para perceberem.



Há 150.000 anos atrás (muito antes dos aclamados 6 mil bíblicos) aqueles que já andavam sobre duas pernas e usavam o que tinham a mão para caçar começaram a polular em África. Mais ou menos 50.000 depois, começaram a migrar para norte, procurando novos lugares de caça ou então o começo desta curiosidade de perceber o que havia para além do horizonte. Naquela altura, Gibraltar era um corredor seco e que ligava a África com a Europa, dando assim o inicio da grande migração humana. Ora, cá chegaram os nossos avoengos que depois foram dividindo entre a Europa e Ásia. E se há povinho que se considera raça pura, é o asiático, mas... surpresa! Nossa avó comum era uma giraça africana!! acabam-se aqui as ilusões de raça pura e o começo de perceber as evoluções e adaptações humanas.

Daí que, depois de ver um vídeo publicitário de uma agência de hotéis e viagens, procurei outros testemunhos de pessoas que tinham feito o teste genético e percebido que havia África como denominador comum. O Youtube está repleto destes testemunhos, as reacções de surpresas, algumas decepções e outros até muito divertidos.

A questão é: se somos 50% genética do pai e os outros 50% da mãe, se eles por sua vez são resultado de outros 50/50 e por aí a fora, então dentro de cada um de nós há um pedacinho de muitas pessoas, de lugares, de vivências. E sendo a ciência aquilo que todo pragmático aceita por A+B, então racismo é o cúmulo da estupidez humana perpetuado pelas religiões monoteístas dos povos escolhidos. Se realmente as células tem memória primordial ( e isso explica tantas coisas...) o que somos é um resultado que vamos passar novamente com a adição de outros 50% para alguém.

Temos então dentro de nós muitos pedacitos de muita gente, pessoas que nos passaram não só a nossa estrutura óssea, a cor da pele ou o formato dos olhos. Passaram também lembranças, tese defendida por alguns cientistas que falam sobre a memória celular. E se for possível juntar nesse cesto genético a possibilidade de outras vidas já vividas anteriormente...nós somos todo mundo.

Eu sei que ninguém consegue gostar de toda gente da família, mas há que tentar perceber que não há quem seja melhor que, ou uma etnia que deva dominar sobre outra. E deveria ser obrigatório o teste genético da ancestralidade como é o teste do pézinho, para saber logo de caras que não há cá merdas de raça pura.

Se alguém estiver interessado em ver os testemunhos de pessoas que fizeram o teste, é só ir ao Youtube, tá muitos. Se entretanto estiver com a carteira folgada, pode fazer o teste via correio e a partir deste site .

Agora tento explicar ao meu filho mais velho, que o nariz romano dele não é culpa minha, e que deve abraçar o seu lado ancestral com todo amor e carinho possível.  :)


Apareçam

Rakel.

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