Quando Um Rio Nos Divide



Cheguei a conclusão que a minha persistência tem sido uma das minhas melhores escolas.  É que me faz alguma confusão a facilidade com que se desiste, num estalar de dedos, de seja o que for pelo simples facto de não ser fácil. Chateia muito, não dá logo certo, as expectativas ficam longe do esperado e pronto, coloca-se de lado.

Então, a minha persistência é um exercício de conhecimento que levo muito a sério, mas é ao mesmo um método que acaba por colocar em causa as minhas filosofias de vida. Abalam-nas, comprometem-nas e umas acabam por ficar tão periclitantes, que não vejo outra alternativa que não seja o abate sumário. E custa-me uma fatia da alma fazer isso, é um bocado que fica a menos. Mas, lá está, temos que ser pragmáticos nas questões que nos influenciam, que nos tocam directamente e que podem nos fazer pior.

Percebi que andamos todos a passear pelas margens dos rios, deixando que tanta água, aparentemente calma, seja o limite em que nos protegemos de qualquer perigo, de qualquer tipo de influência ou de dor. Mas também impede de uma alegria plena, de afectos genuínos e vivos, do riso sincero e não dedilhado num teclado. Muitas vezes me disseram "não metas os pés na água, fica-te pela margem e não olhes para o outro lado". Mas eu sempre tive esta compulsão de não me deixar levar pelo que é tido como o certo e melhor. Quem determinou isso? Que colocou a marca de qualidade? Náááá...

Por descargo de consciência, metia umas galochas (ainda pensei numa bóia, mas seria excessivo) e saía da minha margem (embora houve um começo de ano que com essa cena das galochas, tenha corrido mesmo muito mal suplantando as minhas melhores intenções), metia os pés no rio numa tentativa de chegar ao outro lado, saber o que está lá, quem está lá. E muitas vezes lutei contra a minha, pouco lírica mas muito real cagufa, de me afogar nessa bravata. Eu não sei nadar e por isso mesmo é um acto de pura fé tentar passar para o outro lado do rio.

Então, quando começo a atravessá-lo, vejo alguém na outra margem que acena, faz com que não veja nessa travessia uma tentativa vã, desnecessária. Umas vezes chego ao outro lado e tenho desagradáveis surpresas, noutra raras, excelentes presentes. E a minha expectativa, isso é culpa minha, é sempre alta. Coloco na minha cabeça que algo de bom está lá a minha espera e que só tenho que atravessar o raio do rio, com cagufa, com a força da corrente e tudo e tudo. Mas que será gratificante.

O caso é que, o pedaço de alma vai quando durante tanto tempo houve quem ficasse na outra margem a acenar, só que na hora em que o meu medo foi maior, que a corrente do rio foi mais forte e que eu vi jeitos de me afogar, não houve sequer uma corda deitada à água, um grito de "tu consegues! força!"  e me vi no meio do rio a ter que me desenrascar.  E quando dou por mim, já não há ninguém na outra margem. Ao voltar para a minha, enquanto faço todo o percurso ao contrario, fico a fazer contas de cabeça de qual será a melhor opção a tomar. Sento-me na erva baixa a espera que volte a aparecer e a acenar e tento atravessar outra vez? Espero que apareça outra vez no outro lado e espeto com o dedo no meio e chamo-lhe Judas? Ou simplesmente aceno um adeus e sejas feliz?

Dentro daquilo que se convenciona nas amizades, a maior parte das travessias poderão ser um simples regato que não exigem mais do que uma convivência sem grande profundidade fazendo harmonia com a ligeireza do regato de água rasas. Noutras... encontramos rios profundos, com correntes fortes que não são visíveis na superfície, mas que nos fazem querer atravessar e perceber o nosso valor nessa travessia.






Fico-me pelas margens de águas rasas e fáceis?

Mergulho nas águas profundas e complicadas?

Eu tive que optar por voltar à minha margem numa ida de águas profundas. Não estiquei o dedo do meio, não voltei a tentar. Despedi-me, mas isso não quer dizer que foi mais fácil, ou que não me importo nada com isso. Não teria sido uma boa amiga se assim não fosse, e eu sei que fui.

Apareçam

Rakel.


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